Por Luciana Ramos
Jacques (Vincent Lindon) é um jornalista de guerra que, após a morte do amigo, perde-se em meio ao cinismo, o trauma e a solidão auto imposta. Convidado por um Monsenhor para comparecer ao Vaticano, é encarregado de participar de uma comissão canônica, que investiga uma aparição em uma pequena aldeia francesa.
A menina que alega ter visto a Virgem Maria, Anna (Galatéa Bellugi), tem sido tratada como santa desde então: hordas de católicos espremem-se ao redor do convento onde vive para tocá-la; sua imagem, ao lado da de Nossa Senhora, multiplica-se pelos cantos da cidade. Silenciosa e aparentemente abnegada à sua função, a jovem é protegida por um padre local (Patrick d’Assumçao), que parece ávido em desfrutar do ocorrido.
Acompanhado de um teólogo, uma psicóloga, um historiador e outros especialistas, Jacques encara a missão com ceticismo e frustração, principalmente por caminhar em terrenos onde os fatos e provas concretas a que está tão habituado são raros. À medida em que investiga o passado da jovem, ele tem suas convicções cada vez mais abaladas, até o momento em que uma aparente coincidência liga sua investigação a um momento crucial do seu passado.
A garota, por sua vez, vê na figura opositora do jornalista, determinado a desmascará-la, a possibilidade de uma conexão humana. Por ser órfã, ela carece de laços familiares fortes; a pessoa que mais se aproximou disso, sua amiga Mériem (Alicia Hava), há muito fugiu da aldeia. Os demais tratam-na como uma representante do divino e, no meio termo, ela sente que perdeu a possibilidade de estabelecer um diálogo real. É palpável o peso conferido a ela, promovida como a representante da fé de todas aquelas pessoas.
Fruto das ponderações pessoais do cineasta Xavier Giannoli, “A Aparição” é um filme de abordagem dúbia, que caminha entre o realismo presente nos tramites investigativos e a humanidade dos seus personagens. Dividido em capítulos, ferramenta dispensável dada a clara progressão da trama, o longa questiona a fé e seus mistérios.
Se por um lado há o desejo do protagonista – e compartilhado pelo público – de alcançar a verdade, nota-se o impacto que um suposto evento oculto tem na vida daquela cidade. O grupo de pessoas ajoelhadas ao pé da imagem da Santa, erguida no local onde teria aparecido, transparece a necessidade de crer em algo maior que elas, em uma figura salvadora. Consequentemente, a mensageira da aparição sofre o peso da responsabilidade, como notado por Jacques em determinado momento: qual há de ser o futuro dessa menina que todos veem como santa?
Esta percepção é potencializada por uma Igreja preocupada em capitalizar ao máximo em cima da história. A cena em que Anna depara-se com uma sala recheada de santinhos e velas com a sua imagem, aos quais ela deve benzer, é desconcertante. É necessário, no entanto, separar os atos dos religiosos daquela aldeia com os do Vaticano: Giannoli faz questão de isentar o patamar mais alto do Catolicismo de má conduta, preocupando-se em assegurar o seu comprometimento em descobrir a veracidade dos fatos em diversos pontos do filme. Tal escolha pode ser interpretada como diplomática, que visa isentá-lo de polêmicas que desvirtuariam o debate que propõe com sua obra: o da existência do divino.
Caminhando entre os mistérios da fé, o filme encontra a sua força quando une os dois personagens principais, Jacques e Anna. É o encontro do protagonista com a jovem que o transforma, que faz encarar o trauma que havia soterrado; nos seus braços, ele encontra o apoio. Com isso, fica a mensagem clara do potencial transformador do ser humano, dotado de falhas e inseguranças, mas também de compaixão.
Pôster
Ficha Técnica
Ano: 2018
Duração: 140 min
Gênero: drama
Direção: Xavier Giannoli
Elenco: Vincent Lindon, Galatéa Bellugi, Patrick d’Assumçao, Anatole Taubman, Alicia Hava
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