Por Luciana Ramos
Ao fim da Segunda Guerra, Nelly Lenz (Nina Ross) parece ter perdido absolutamente tudo: não bastasse o fato de ter ficado presa em um campo de concentração por sua ascendência judia, teve a família inteira assassinada e recebeu um tiro no rosto, que a deixou desconfigurada.
Ela é retorna a Alemanha nos braços da amiga Lene (Nina Kunzendorf), voluntária na investigação do novo Governo sobre o destino dos judeus na Guerra. De volta à realidade, Nelly parece perdida. Em algum momento do passado recente, Nelly deixou de ser si mesma. Agora tem uma nova face e um corpo magro e frágil, marcado por um andar vacilante.
Para Lene, a retomada da identidade de Nelly ocorrerá quando esta se apresentar às autoridades como sobrevivente do Holocausto e clamar a pomposa herança da família. Porém, a frágil amiga, tem outros planos.
Ela começa a perambular pelas ruas sombrias e cheias de escombros, lembrança recente de um pesadelo ruim, para procurar o seu marido, Johannes (Ronald Zehrfeld). Nas poucas palavras que profere, ele é tudo que pergunta, que a preocupa, que deseja.
Nelly o encontra trabalhando de garçom no decadente bar Phoenix, situado no território americano de Berlim. Contudo, ele mostra-se completamente alheio a sua esposa. Não a reconhece. De fato, após algumas tentativas de conversa, começa a achá-la parecida com a sua cônjuge, que tem certeza ter morrido, e propõe um plano audacioso.
Johannes oferece o seu lar para abrigo dessa aparente indigente para, em troca, ela o ajudar a pedir para si a herança de Nelly. Ele se compromete a treiná-la arduamente para que fique parecida com sua esposa, desde o jeito de falar, andar, se vestir até no modo de expressar suas opiniões. Como prêmio, se compromete a dar a essa mulher uma parte do dinheiro.
Atordoada pela proposta, Nelly, que diz chamar-se “Esther”, decide ignorar os alertas da amiga sobre as falhas de caráter de Johannes e aceita o papel. Como motivação para tais ações, há um misto de carência afetiva extrema, amor e desespero em voltar à sua personalidade antiga.
Eis que pouco a pouco, ganha confiança no andar, passa a expressar seus pensamentos, perde a feição assustada que a acompanhava, vai renascendo das cinzas, como a mitológica ave que dá titulo ao filme.
O roteiro de “Phoenix” é muito bem construído, tornando as escolhas da protagonista plausíveis com os seus desejos e, portanto, justificáveis. No entanto, é a cena final, ao mesmo tempo simples e impactante, que o torna uma grande obra. Com os derradeiros passos em direção à sua reafirmação enquanto mulher, o espectador é apresentado às reais motivações da protagonista de uma forma brilhante.
Ademais, a construção narrativa de “Phoenix” mostra-se extremamente rebuscada por aprofundar o seu tema na construção de uma grande metáfora. Ao ser enquadrada movendo-se com hesitação e sem forças, quase como um cadáver no meio de pilhas de escombros, Nelly não passa de uma representação da própria nação alemã.
Esta foi divida e apossada por países estrangeiros do lado vencedor no pós-guerra e teve que se submeter às suas regras administrativas e imposição cultural. A isto somava-se uma tentativa desesperada de afastar a imagem do país das atrocidades que foram cometidas em seu território.
Assim, tal como a protagonista, a Alemanha deixou de ser Alemanha. Com o vazio de identidade, houve um processo lento de criação de um novo sentido de nação, substituindo a vileza da segregação racial e religiosa pela construção de uma imagem positiva.
“Phoenix” retrata os horrores e sequelas do regime Nazista. Por meio da desconfiguração de Nelly e seu desejo incansável de retomar a posse do seu ser, discorre sobre o árduo caminho que a nação alemã precisou passar a partir dos anos 50. Pela qualidade narrativa coroada por uma fantástica cena final, é um filme que merece ser assistido.
Ano: 2014
Duração: 98 min
Nacionalidade: Alemanha
Gênero: drama
Elenco: Nina Ross, Ronald Zehrfeld, Nina Kunzendorf
Diretor: Christian Petzold
Trailer:
Imagens: