Por Marina Lordelo
Um cinema de afetuosidade marca o trabalho de André Novais Oliveira, que termina 2018 com mais um longa em sua carreira, “Temporada”, protagonizado pela dramaturga Greice Passô como a fiscal de combate a endemias Juliana. E foi assim, cheio de empatia e carinho que o filme conquistou o exigente júri do festival de Brasília e fez a abertura do XIV Festival Internacional Panorama Coisa de Cinema em Salvador, Bahia.
Juliana está imersa no azul – entre a mudança de cidade, o abandono emocional da família e a adequação a uma nova dinâmica de trabalho, ela é uma jovem mulher negra deslocada geograficamente da sua rede de apoio, que reflete na fria cor do cenário, figurino, objetos de cena e também na temperatura da imagem. Enquanto se ajusta a este novo contexto, Juliana precisa lidar com suas questões íntimas que de alguma forma guiaram a sua mudança (no sentido mais abrangente da palavra).
Há um contraste interessante entre os silêncios e monossílabos da protagonista com a verborragia divertida e por horas absurda de Russão (Russo Apr), seu colega de trabalho. Esse contraponto dramático necessário para equilibrar o tom da narrativa, construído a partir de diálogos naturais e orgânicos, adicionam “Temporada” no que vem sendo tendência no cinema brasileiro contemporâneo – a encenação entre não-atores e atores.
E se André Novais escolhe manifestar os problemas dos outros personagens, a paternidade de Russão, a insatisfação do colega Hélio, é no não acolhimento da prima que Juliana entrega suas frustrações e angústias. O seio da família ainda é, sua maior fonte de confiança, traduzido, inclusive, na insistência do uso simbólico da aliança na mão esquerda.
A utilização engenhosa da câmera na construção dos planos por Wilssa Esser dança com a montagem delicada de Gabriel Martins, parceiro do realizador desde suas primeiras produções. Essa dinâmica apresenta a geografia de Contagem sob uma ótica eficiente e sensível, como no momento em que a protagonista sobe na laje de uma das casas que visita a trabalho e a câmera-personagem assume um olhar subjetivo e ao mesmo tempo ativo da cidade. Ali, ela inicia seu processo de (re)vínculo com o espaço, as pessoas e consigo.
Os pontos de virada são pragmáticos e é através das fotografias de sua própria família que o diretor decide confortar a protagonista em um bolo com café. Em uma obra cheia de afetos, de cuidado e com uma mensagem delicada sobre as mudanças da vida, sobre esse tempo que escorre pelas águas da cachoeira ou que é eternizado pelas imagens e, sobretudo, pelo cinema em si.
“Temporada” é um presente suspenso no tempo – para Dona Maria José, para Juliana e para nós, espectadores.
*Essa crítica faz parte da cobertura da XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema de Salvador, Bahia.
Pôster:
Ficha Técnica
Ano: 2018
Duração: 111 min
Gênero: drama
Direção: André Novais Oliveira
Elenco: Greicê Passô, Russo Apr, Rejane Faria, Hélio Ricardo.
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