Por Luciana Ramos
Grace (Annette Bening) e Edward (Bill Nighy) são casados há vinte e nove anos e, no período, desenvolveram sua dinâmica peculiar de interação. Entre tardes calmas regadas ao consumo de chás, dispõe-se a cobrança intensa dela para que o marido se abra mais, expresse seus sentimentos. A repressão emocional deste é tamanha que sua opção, invariavelmente, é deixar a sala. Após um tempo, retornam à calmaria, seguros de que a tormenta é apenas um ingrediente do relacionamento.
Porém, em um determinado domingo, quando são agraciados com a visita do filho Jamie (Josh O’Connor), Edward decide apressadamente que sairá da casa no mesmo dia. Grace implora por uma chance (afinal, na sua visão, é o mínimo que se pode exigir após tanto tempo juntos), mas ele surpreende ao citar Angela, uma mulher por quem se apaixonou há um ano.
Destroçada, a esposa perde o seu ideal de futuro e, assim, sua segurança, passando a andar vacilante na lindíssima praia que cerca a sua moradia e contemplar o que pode esperar da sua vida a partir desse momento. Estabelece-se, neste momento, uma nova dinâmica ainda mais corrosiva que a primeira: usando o filho como escudo, Edward manda recados contrastantes à ex; ela, por sua vez, recusa-se a assumir sua nova posição e desconta a frustração em Jamie, comparando-o ao pai. Esse comportamento revela-se particularmente cruel pois ressoa nos problemas amorosos do próprio jovem (também cunhado de “emocionalmente distante” por amigos) e ainda provoca nele grande preocupação sobre a saúde mental da mãe e, assim, leva-o a abandonar sua vida social para cuidar exclusivamente dela.
O seu ponto de vista é importante não só por guiar a narrativa, como também por servir entre o meio termo entre os entendimentos dos dois outros personagens acerca do que aconteceu com o casamento. De um lado, Edward repete reiteradas vezes uma anedota sobre soldados feridos deixados a própria sorte pelos seus companheiros durante a Segunda Guerra Mundial. Esta seria uma estratégia de sobrevivência e, por isso, escusável do ponto de vista ético. É assim que enxerga seu futuro, através da necessidade de mudar antes que os dois morram de desamor.
O seu extremo oposto é Grace, atrelada pelo filho à metáfora da vida marinha. Em dois momentos do filme, ele conta a história do seu lugar preferido no mundo, uma praia rochosa que, quando baixa a maré, forma pequenas piscinas naturais com peixinhos aprisionados. Ele os observava com pena, achando que estão condenados, mas é sempre refutado por sua mãe, que via a esperança do resquício da vida em um lugar inóspito.
O “hope gap” (lacuna da esperança, título em inglês do longa) é caracterizado exatamente pela divergência profunda de entendimento que o ex-casal possui da vida. Conforme a trama avança, torna-se cada vez mais evidente que, se um dia tiveram algo em comum, não mais o possuem. Ainda assim, é impossível banalizar o sofrimento inerente ao processo, muito bem capitaneado pelo desespero de Grace.
No entanto, nesta tentativa de fornecer novo olhar sobre um tema tão batido (quanto fascinante), o roteirista e diretor William Nicholson recorre a clichês que tornam a trama superficial: ela é reduzida à mulher amarga e carente; ele, o homem fechado que deixa o casamento por outra mulher. Embalado por trilha sonora triste e belas paisagens, o longa mostra que tem muito pouco a falar – e nada de novo.
Falta essencialmente fricção narrativa, uma pá de acontecimentos que justifique o empenho do espectador em se devotar à obra audiovisual. As situações não escalam progressivamente, tampouco os comportamentos dos personagens mudam. As emoções são essencialmente explicadas em diálogo, onde repousa todo o drama. Absorvendo os clichês sem nenhuma inovação ou perspicácia, “Enquanto Houver Amor” oferece uma ideia interessante, mas que não se paga. Em suma, o filme resume-se a ideia explicitada no poema declamado por Grace: já estivemos aqui antes.
Ficha Técnica
Ano: 2019
Duração: 1h 40min
Gênero: drama, romance
Direção: William Nicholson
Elenco: Annette Bening, Bill Nighy, Josh O’Connor