Por Luciana Ramos

 

Desde o início, o cinema suga de outras artes, aproveitando ou traduzindo obras em sua linguagem audiovisual. Quando acerta, capitaneia o produto artístico primário e o transforma em algo novo, simbólico e único. Assim como a pintura, também a música serve de inspiração para longas-metragens, mas, nas telonas, quase sempre a letra e melodia se confundem com a vida de seu autor ou precisam ser recheadas com um conteúdo narrativo – caso do belíssimo “Across the Universe”.

Ao se propor a adaptar “Eduardo e Mônica”, do Legião Urbana, para o cinema, René Sampaio se viu diante de um questionamento oposto: diante de tamanha complexidade narrativa na letra de Renato Russo, como adaptá-la sendo, ao mesmo tempo, fiel e única? Felizmente, o cineasta parece saber traduzir bem os dilemas românticos impostos na letra sem perder de vista a leveza da canção, valendo-se de objetividade para a construção de um roteiro pautado nas diferenças do casal principal.

Em um dia qualquer, o jovem Eduardo (Gabriel Leone) é arrastado pelo amigo Inácio (Victor Lamoglia) a uma “festa estranha com gente esquisita” e, mesmo admirado, não parece se conectar com este mundo. Do lado de fora, esperando um ônibus para voltar à casa onde mora com o avô (Otávio Augusto), conhece uma mulher que lhe parece ambígua: Mônica (Alice Braga) possui ar seguro, é descolada, mas também exala profunda tristeza. Quase sem querer, eles passam a noite conversando e desenvolvem uma estranha conexão. Saindo da adolescência, ele vê cautelosamente a oportunidade de um romance com uma mulher mais velha, mas esta parece uma incógnita.

Assim nasce o romance de Eduardo e Mônica, que transita entre conexões, aprendizados e brigas. O interesse genuíno de ambos pelo romance resvala na diferença de opiniões que eles têm sobre absolutamente tudo, mas a trama consegue desviar dos clichês comuns às comédias românticas brasileiras ao fundamentar bem inúmeras barreiras entre eles, sejam sociais, políticas ou de momentos de vida.

Esse jogo, no geral bem-sucedido, ocasionalmente resvala em uma dramatização excessiva, em especial no segundo ato, onde a leveza típica da obra originária é diluída pela sucessão de conflitos. Felizmente, ao final o longa resgata sua poesia e consegue sintetizar o pensamento de Renato Russo em um belo clímax, que também depõe a favor do cuidado de René em construir símbolos imagéticos para enriquecer sua obra. Estes estão presentes em pôsteres, referências e adornos que contornam a ação narrativa e prestam homenagem à música-tema.

Esta, por sinal, é bem pouco usada ao longo da projeção. A fim de reconstruir o cenário rock que tomou conta de Brasília nos anos 80, o longa abusa de referências britânicas dessa década (grande influência para o Legião), além da inclusão de uma divertida brincadeira com “Total Eclipse of the Heart”, de Bonnie Tyler.

A trama fornece pouco espaço para aprofundamento de personagens coadjuvantes, a não ser quando suas vidas interferem diretamente na do casal principal. Sendo assim, cabe a Gabriel Leone e Alice Braga conduzirem o filme, trabalho com executam com talento. Ambos são mais velhos do que a descrição da letra, mas isso torna-se irrelevante diante da entrega dos atores aos seus personagens, carregados de vulnerabilidade e carisma.

“Eduardo e Mônica” não é tão leve quanto a canção original, mas é um filme cativante e diferenciado, equilibrando-se em pontos de vistas equidistantes para traçar uma história de amor pouco comum, mas certamente poética.

Ficha Técnica

Ano: 2022

Duração: 1h 54 min

Gênero: romance, drama

Direção: René Sampaio

Elenco: Alice Braga, Gabriel Leone, Victor Lamoglia, Otávio Augusto

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