Por Luciana Ramos
Uma das características mais fortes de Woody Allen enquanto cineasta é o seu caráter obsessivo, esteja disposto nas neuroses de suas personagens ou na recorrência a temas específicos em várias de suas obras. Como exemplos, há o enfrentamento entre realidade e fantasia (presente em “A Rosa Púrpura do Cairo”, “Meia-noite em Paris”, “Simplesmente Alice”) e, no caso de “Homem Irracional”, o papel da moralidade no ato criminoso.
Como em uma colcha de retalhos, o diretor retira argumentações de seus roteiros antigos para compor um amplo espectro sobre a validade do comportamento do protagonista: de “O Sonho de Cassandra”, há a tentativa de solucionar problemas com o “crime perfeito” e o efeito “bola de neve”; de “Match Point”, o papel da sorte na execução do ato.
No entanto, a maior similaridade vem de “Crimes e Pecados”, do qual retira sua tese sobre individualismo moral, trabalhada em duas personagens: Judah (Alan Alda), homem bem-sucedido que contrata um assassino profissional para matar a sua amante e no filósofo (Martin Bergmann) que discursa sobre o papel da moral nas ações humanas.
No novo longa, não por mera coincidência, Abe Lucas (Joaquin Phoenix) é um professor de filosofia convidado a ensinar durante o verão em uma universidade da Nova Inglaterra. Alcoólatra, deprimido, pouco sociável, é incapaz de enxergar o valor da vida e possui tendências suicidas. Para Jill Pollard (Emma Stone), sua aluna, o seu problema é claramente “sofrer de desespero”. Ela é uma garota inteligente, perspicaz e descomplicada (outra constante nos filmes de Allen) que acidentalmente muda a sua perspectiva sobre a vida.
Um dia, em um bar, Jill o chama para ouvir a conversa de uma mulher chorosa, prestes a perder a guarda do seu filho por conta de um juiz corrupto. Convencido que a única solução para esta mãe reside na morte dele, Abe tem uma epifania: cometerá o assassinato, pois este ato dará sentido à sua vida.
A partir dessa resolução, o professor muda radicalmente. Ele retoma a alegria de viver, torna-se engraçado e leve, alterando o seu comportamento social, em especial nos relacionamentos com Jill e com a acadêmica Rita Richards (Parker Posey), que o vê como escape para seus próprios dilemas.
A qualidade artística do prolífico diretor reside no seu roteiro. Em uma trama aparentemente banal, é mostrado o embate entre teoria filosófica e o comportamento humano com graça e inteligência. Para isso, há o auxilio do humor, que contrapõe os pensamentos elaborados dos personagens às suas ações estúpidas. Outra escolha narrativa importante é o uso da narração em off de Abe e Jill para pontuar e impulsionar a trama.
Apesar de ser notoriamente conhecido por não dirigir atores, Allen sempre conta com excelentes performances em seus filmes. Em “Homem Irracional”, não é diferente. Emma Stone, sua nova musa, oferece uma interpretação sólida e muito carismática na pele de uma estudante brilhante. Já Parker Posey consegue retratar o desespero do tédio que uma vida normal pode oferecer com naturalidade e bom humor.
O grande destaque fica por conta de Joaquin Phoenix, possuidor de extrema habilidade em oferecer complexidade às suas personagens. Com Abe Lucas, incutiu pequenos detalhes como postura curvada e fala muitas arrastada para exprimir o seu total desleixo para com a vida.
Com direito a um desfecho tragicômico absurdo, “Homem Irracional” não impressiona como um todo pela falta de novidade no tema. Contudo, é mais um exemplo da sagacidade de Woody Allen, que consegue estimular o espectador e oferecê-lo uma estória de ótima qualidade ao longo de quase duas horas. Indicado para os fãs do diretor e todos aqueles que apreciam inteligência mordaz no cinema.
Ficha técnica
Ano: 2015
Duração:
Nacionalidade: EUA
Gênero: drama, comédia, mistério
Elenco: Joaquin Phoenix, Emma Stone, Parker Posey
Diretor: Woody Allen
Trailer:
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