Por Luciana Ramos
Desde a sua criação, a Pixar alia vanguarda tecnológica e uma visão bastante peculiar do campo da animação, aprofundando a ideia de que o meio pode abarcar filmes complexos, que apelem tanto para o público infantil quanto para as gerações mais velhas. Ao centro, está a humanidade de seus personagens, que inevitavelmente dialogam com as durezas e alegrias de se construir uma vida – seja ela de qualquer forma – ou os sentimentos experimentados em cada pedaço do caminho.
Com o passar dos anos, foi pressionada pela indústria do entretenimento, mídia e público para escalar o negócio, mas a empresa costumeiramente respondia (na figura de seus altos executivos) que “somente faria sequências caso ideias brilhantes surgissem”. Assim o foi por um bom tempo – como demonstra o excelente “Toy Story 3” – mas as engrenagens da empresa parecem ter mudado nos anos mais recentes.
As mudanças de posicionamento da Disney no mercado, incluindo investimento no streaming, tornaram a Pixar um dos seus pilares de sustentação, junto às franquias Marvel e Star Wars. Isso resultou em um investimento para difusão de um número maior de obras com escopos mais abrangentes e, inevitavelmente, menor ambição.
Esse movimento é claramente notado em “Lightyear”, um produto mediano que parece ter sido construído para monetizar a ânsia do público pela expansão do universo Toy Story. Não é de modo algum um filme ruim, oferecendo momentos divertidos ou mesmo reflexivos, mas permanece aquém dos demais produtos do catálogo da empresa e, portanto, decepciona a expectativa de excelência que ilustra a marca.
O filme conta a história de Buzz Lightyear (voz de Marcos Mion), um patrulheiro espacial que erra durante uma missão, condenando a sua equipe a viver em um planeta inóspito. Enquanto os demais preocupam-se em construir uma nova vida no local, investindo na criação de uma comunidade em seu senso mais extenso, Buzz, sentindo-se culpado, toma para si a responsabilidade de encontrar um caminho de volta. Porém, a cada tentativa e consequente contato com a hipervelocidade, ele avança algumas casas no espectro temporal.
Assim, permanece sozinho – com exceção do robô-gato Sox (voz de César Marchetti) – e isolado, sendo visto por uns como herói e por outros como alguém obcecado e individualista. Perde com uma rapidez inacreditável a bela jornada de sua melhor amiga, a Capitã Alisha Hawthorne (voz de Adriana Pissardini), mas nem isso o faz questionar seus atos; na verdade, é apenas com a proibição de continuar exercendo suas funções que o patrulheiro se vê forçado a iniciar uma nova jornada. Nesta, é auxiliado pelo inseguro Mo (voz de Henrique Reis), a malandra Darby (voz de Lúcia Helena) e a empolgada, porém inexperiente Izzy (voz de Flora Paulita), neta de sua parceira de trabalho.
A trama se desenrola nos moldes dos filmes de aventura, apresentando obstáculos externos que mexem na dinâmica do grupo e forçam o protagonista a uma reavaliação existencial. Transitando entre referências visuais da ficção científica, como o jogo de cores kubrickiano no espectro de hipervelocidade ou as faixas retilíneas que aludem aos filmes de “Star Wars”, o longa oferece um arcabouço estético competente, mas pouco criativo. Fora as citadas cenas, nota-se a predominância de tons terrosos e “apagados”, além de diálogos técnicos que demonstram o interesse em captar uma faixa etária mais avançada que o normal em produções da Pixar.
Essa maturidade estrutural não é acompanhada da desejada pungência emocional. Os temas propostos são reciclados de filmes anteriores e embalados em versões palatáveis. Como resultado, há certa recompensa pelo engajamento na jornada de Buzz, mas a experiência revela-se inferior à de tantos outros filmes, como “Divertida Mente”, “Wall-E”, “Soul” e “Luca”.
Ficha Técnica
Ano: 2022
Duração: 1h 40 min
Gênero: ação, aventura
Direção: Angus MacLane
Elenco original: Chris Evans, Keke Palmer, Peter Sohn, Taika Waititi, James Brolin, Uso Aduba
Elenco brasileiro (dublagem): Marcos Mion, Adriana Pissardini, Lúcia Helena, Henrique Reis, Flora Paulita