Por Luciana Ramos
Califórnia marca o primeiro longa de ficção de Marina Person, que estreou nos cinemas com o documentário “Person”, sobre seu pai. Explorando o universo adolescente dos anos 80, soa divertido, mas superficial nos seus primeiros momentos. Porém, regozija-se com o desprendimento de clichês adolescentes para abordar com maior profundidade a dor proveniente do amadurecimento.
O ano é 1984. Como qualquer adolescente, Estela (Clara Gallo), conhecida como Têca, frustra-se com os dissabores de romances não correspondidos. Entre fofocas com as amigas dos colégios e o constante sentimento de deslocamento, fruto da idade, sonha na realização do seu sonho: a esperada viagem à Califórnia com o seu tio Carlos (Caio Blat), de longe a pessoa mais importante da sua vida.
O estado americano representa menos um território a ser explorado de carro com música boa tocando na rádio: é a idealização da efervescência cultural, da liberdade, da ampliação do universo interior da protagonista e, consequentemente, parte importante do seu processo de construção de identidade.
Todo o simbolismo que a viagem carrega acentua o sentimento de frustração de Têca ao descobrir que o programa foi adiado indefinidamente e seu tio Carlos está voltando para o Brasil.
Resta a ela pôr os sonhos em suspensão e encarar a realidade do colégio, onde conta com o respaldo das amigas para cultivar uma paixonite pelo surfista playboy Xande (Giovanni Gallo), seu ideal de beleza. No entanto, o aparecimento de um novo aluno, o aspirante a punk J.M. (Caio Horowicz), com quem tem mais afinidade, a coloca no centro de um triângulo amoroso indesejado.
Até esse momento, o roteiro sofre pela precariedade de abordagem do universo adolescente. As cenas sobre primeira menstruação, conversas sobre sexo e embate com os pais são em geral datadas e superficiais, retratadas exatamente dessa forma em milhares de outros filmes sobre o assunto. A previsibilidade das passagens é ancorada pela superficialidade dos diálogos, que soam pouco naturais. Há o bom uso do humor leve em algumas passagens, mas esse recurso não é preponderante.
Porém, o aparecimento da figura do tio Carlos, magro, doente, complexo e distante da idealização pintada por sua sobrinha oferece densidade ao roteiro e, por conseguinte, à protagonista.
A partir da interação de Têca com seu tio e inevitável embate com a nova realidade apresentada, surge um processo de entendimento, aceitação e amadurecimento. Assim, o longa desvencilha-se do óbvio para firmar o seu sentido na viagem da protagonista, agora interior, que mudará a sua perspectiva de vida.
O alto nível de identificação com a protagonista é fruto da atuação sem afetações e consistente de Clara Gallo. Igualmente surpreendente é a naturalidade impressa por Caio Horowicz na atuação como J.M.: as cenas onde os dois interagem constituem um dos pontos fortes do filme. Já Caio Blat destaca-se por oferecer uma interpretação bastante sensível, rica e cheia de nuances.
Outro destaque, como esperado dada a forte ligação da diretora com a música, é a excelente trilha sonora, que flutua de David Bowie e New Order a The Cure, passando por bandas indie dos anos 80. Aliás, não faltam referências pop à década de 80, o que torna a experiência do filme mais enriquecedora.
“Califórnia” marca o primeiro filme de ficção da diretora Marina Person e, como tal, sofre com algumas armadilhas de roteiro. No entanto, a sensibilidade e leveza com que expõe a sua mensagem consegue suplantar eventuais falhas. Com um misto de humor e drama, típicos da vida, costura com boa música as angústias de uma adolescente que, forçada a crescer, ganha um novo entendimento da vida.
Ano: 2015
Duração: 90 min
Nacionalidade: Brasil
Gênero: drama
Elenco: Clara Gallo, Caio Horowicz, Caio Blat, Giovanni Gallo
Diretor: Marina Person
Trailer:
https://youtu.be/69Q9qWqoVJY
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