Hollywood é uma fábrica de derivações. Quando filmes engajam o público, os produtores correm para criar sequências com os personagens adorados. Em poucos anos, aborda-se a possibilidade de um remake, a mesma trama apresentada com o frescor de novos atores. “Nasce Uma Estrela” faz parte desta estatística: o filme recém-lançado por Bradley Cooper, que tem Lady Gaga no papel principal, é a quinta versão de um melodrama conhecido.

Neste caso, a revisitação hollywoodiana não é apenas explicada pela demanda da bilheteria, já que o cerne da história representa um dilema que a indústria cinematográfica adora: o quão longe se deve ir pela fama? “Nasce Uma Estrela” contrapõe amor e sucesso como extremos. Fala, portanto, do peso do estrelato e como ele transforma todas as relações, causando tensões.

 

O início de tudo

 

A ideia de uma abordagem tão dramática da vida hollywoodiana partiu de David O. Selznick, que fez seu nome como um dos mais proeminentes produtores da década de 30. Ele tinha duas motivações: a primeira, comercial, visava provar que era possível fazer um filme metalinguístico de sucesso; a segunda, cética, partia do seu desapontamento com os recorrentes escândalos envolvendo astros de cinema, como Mabel Normand, Roscoe “Fatty Arbuckle” e William Desmond Taylor – vítima de um assassinato misterioso.

Ele usou o roteiro que a colunista de fofocas Adela Rogers Saint-John escreveu baseando-se na vida que a atriz do cinema mudo Colleen Moore partilhou com o marido/produtor John McCormick, notório por ser alcóolatra. O projeto “The Truth About Hollywood” tornou-se “What Price Hollywood?” (conhecido no Brasil como apenas “Hollywood”, 1932) e contava com Constance Bennett no papel de Mary Evans, uma garçonete que sonhava em ser atriz. Sua oportunidade chega quando conhece o maior diretor do momento Max Carey (Lowell Sherman). Porém, à medida que a estrela de um aumenta, a do outro decai.

Dirigido pelo jovem George Cukor que, com o longa, conseguiu reconhecimento da indústria, esta primeira versão retrata de maneira seca e inovadora para a época o alcoolismo. Ainda assim, não atingiu o efeito desejado, perdendo dinheiro para a RKO.

 

Still de “What Price Hollywood?”

 

Nasce Uma Estrela (1937)

 

Inconformado com a performance comercial da produção, Selznick decide, cinco anos mais tarde, refazê-la maior, melhor e em technicolor (técnica de coloração considerada inovadora na época). Cukor declinou o projeto, assumido por William A. Wellman e com roteiro de Dorothy Parker.

Nela, o nome da protagonista é mudado para Esther Blodgett, jovem sonhadora que passa os dias no cinema – a contragosto da família – e decide se mudar para Hollywood para se tornar atriz. As coisas não caminham como gostaria, até que ela é notada pelo maior ator do país, Norman Maine – que, apesar das gentilezas, também é viciado em álcool. Ele ajuda-a a conseguir papéis; ela tenta mantê-lo na linha. A estrutura narrativa básica é mantida, sempre apostando nas linhas do melodrama, embalado por um romantismo típico das produções da época.

 

Cartaz de “Nasce Uma Estrela” (1937)

 

Nasce Uma Estrela (1954)

 

Judy Garland foi literalmente criada para ser uma estrela. Aos treze anos, foi contratada pela MGM, onde dividia seus dias entre aulas de disciplinas escolares, de canto e dança e participações em filmes. A pedido de Louis B. Mayer, ela passou a tomar (ainda adolescente) um misto de medicamentos a base de anfetaminas, e outros para dormir, afim de que ela aguentasse a intensa jornada de gravações – algo rotineiro nos estúdios. Quando ficou famosa com “O Mágico de Oz”, ninguém ficou surpreso; quando se viciou nos remédios e no álcool, também não.

O seu comportamento errático a fez perder o contrato com seu estúdio em 1950. Eis que entra “Nasce Uma Estrela”. Fascinada pelo longa de 37, Garland viu a liberação dos direitos autorais da obra como oportunidade de um retorno triunfal. Já seu marido, Sid Luft, enxergava o potencial de se tornar um produtor respeitado. Juntou-se a ele George Cukor, que dizia não gostar do resultado final de “What Price Hollywood?”.

A história foi adaptada para enaltecer os múltiplos talentos de Judy, tornando-se um musical. Do ponto de vista artístico, o diretor aproveitou a chance para realizar experimentações, como a inserção de uma sequência de quase trinta minutos composta por fotografias e voice over. A estrutura formal do roteiro seguiu as versões anteriores, não fazendo grandes modificações.

Apesar do fraco desempenho nas bilheterias (o filme era muito longo e permitia poucas sessões ao dia; a decisão da Warner de reeditá-lo em uma versão concisa não agradou) não impediu o longa de ser indicado para múltiplos Oscars. No fim, Judy Garland perdeu para Grace Kelly, representante do frescor de uma nova Hollywood. No entanto, sua performance como Vicki Lester é tida como a melhor de sua carreira: ela demonstra domínio absoluto tanto nas cenas musicais quanto nas que exigem maior fragilidade. Além disso, a sua história de vida torna essa ficção ainda mais pungente.

 

Judy Garland canta “The Man That Got Away”:

 

Nasce Uma Estrela (1976)

 

Nos anos 70, com pouco mais de trinta anos, Barbra Streisand estava velha. Não no sentido literal, mas ela representava uma Hollywood antiga, tratada com descaso pela nova geração. Afinal de contas, ela estreou ao lado de Omar Shariff (conhecido por clássicos como “Dr Zhivago”) em “Funny Girl: A Garota Genial”. Pelo papel, dividiu um Oscar de atuação com Katherine Hepburn, outro símbolo de uma década passada.

Com a intenção de repaginar a imagem de Barbra, John Peters, seu namorado, decidiu que “Nasce Uma Estrela” era o veículo perfeito. Para ele, seria uma importante transição, de cabeleireiro a produtor. Mal ele sabia que um novo roteiro acabara de ser escrito pelo casal Joan Didion e John Gregory Dunne, vendido para a Warner Bros, que tinha Carly Simon e John Taylor em mente. Ambos declinaram. O estúdio então tentou seduzir Cher ao papel; ela aceitou brevemente, mas logo se desligou do projeto. Sem muitas alternativas, a Warner colocou a produção à disposição de Streisand e Peters. Kris Kristoffeson, já escalado para o papel de John Norman Howard, não era bem visto pelo casal que, por falta de opções, acabou cedendo. O diretor Frank Pierson (“Um Dia de Cão”) foi escalado.

Curiosamente, poucos anos antes, Barbra havia terminado o casamento com Elliot Gould por conta da fama: a sua estrela havia ascendido, a dele não, causando ressentimentos. Ainda assim, ela acreditava que a história de Esther e John possuía similaridades com a sua e de Peters (por motivos do zodíaco e outras particularidades pouco óbvias). Eles passaram a enxergar o projeto como a oportunidade de saciarem a curiosidade dos fãs sobre suas vidas privadas; por isso, incluíram seu mobiliário e vestuário na produção, além das participações do agente e back vocals da cantora.

O caráter excessivamente narcísico levou ao filme ser conhecido como “a piada de Hollywood”. Um dos seus incidentes mais conhecidos aconteceu na filmagem das sequências dos shows. Para dar realismo, ingressos foram vendidos: as pessoas foram atraídas pela oportunidade de verem as filmagens e, posteriormente, uma apresentação especial de Santana e Peter Frampton. Porém, nos bastidores, uma gritaria entre Streisand, Peters, Kristoffeson e Pierson tomou conta – e nenhum deles sabia que o microfone estava ligado o tempo todo.

Essa versão faz alterações importantes na história: ela é transformada do cinema para o mundo da música, perdendo um pouco do apelo de “conto hollywoodiano”. A decadência de John é enaltecida pelo seu consumo de drogas e sua atitude desrespeitosa com o público (de todos, ele é o único retratado como não merecedor da fama que possui). Um certo tom feminista é incorporado a pedido de Barbra, como pelo modo com que é carinhosamente chamada de Mr. ou brinca de passar maquiagem em John – tudo muito sutil, mas importante para a época.

No entanto, uma mudança fundamental no terceiro ato desbanca a abordagem do tema e, por isso, o filme foi massacrado pela crítica quando lançado, ainda que tenha sido a única versão até o momento a ganhar um bom dinheiro nas bilheterias.

 

 

E, por fim, a nova versão (2018)

 

Quarenta anos depois, Hollywood lembrou-se do apelo duradouro de “Nasce Uma Estrela” e apostou em uma refilmagem. A exemplo dos longas anteriores, este serviria de veículo para explorar as potencialidades de…Beyoncé. Conversas sobre um novo remake começaram em 2011, com Clint Eastwood também ligado ao filme. A gravidez da cantora afastou-a do projeto, seguido pelo diretor. Outras personalidades da indústria vocalizaram interesse em assumir a produção, como Steven Spielberg, Leonardo Di Caprio, Christian Bale e Tom Cruise.

No entanto, a pré-produção só tomou forma em 2014, quando Bradley Cooper assumiu como produtor e roteirista. Ele queria desde cedo Lady Gaga para o papel, mas os executivos da Warner não estavam nem um pouco animados com a ideia. Ele insistiu muito e gravou em um celular um dueto com ela; foi quando eles deram o sinal verde. A experiência como cantora fez Gaga orientar Cooper nas sequências musicais, sugerindo serem gravadas ao vivo para dar maior naturalidade. Por um tempo, ela considerou usar seu nome verdadeiro nos créditos, Stefani Germanotta, mas o apelo dos fãs a levou a desistir dessa ideia.

A nova versão segue a estrutura básica da de 1976, centrada no mundo musical, mas resgata elementos dos filmes anteriores, aprofundando-se mais uma vez no tema da fama. Exibido no Festival de Toronto, o filme foi ovacionado por oito minutos após o término e conquistou ótimas críticas, sendo constantemente citado como um dos potenciais indicados a múltiplas categorias do Oscar 2019.

Confira a nossa crítica de “Nasce Uma Estrela” (2018) 

 

 

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