Por Pedro Daher
No Brasil, cada vez mais há o interesse em se praticar cinema de gênero, saindo um pouco do enfoque meramente político e social que até pouco tempo dominava as produções independentes nacionais para que novos diretores estabeleçam uma marca predominantemente autoral. Entre dois dos principais exemplos dessa nova leva, há o trabalho de mulheres, diretoras como Juliana Rojas, responsável por “Trabalhar Cansa” e “As Boas Maneiras”, e Gabriela Almeida Amaral, responsável por “O Animal Cordial” e “A Sombra do Pai”.
O novo filme de Gabriela em muito pouco, se não em nada, tem em comum com seu antecessor, “O Animal Cordial”, um slasher com toques psicológicos muito original. Seu novo trabalho é bastante estilizado, com presença constante de violência gráfica e trilha sonora à base de sintetizadores (fator que permanece tecendo uma atmosfera específica), é etéreo e menos centrado em um viés expositivo; “A Sombra do Pai” é, principalmente, um filme sobre fantasmas.
Na trama, Dalva (Nina Medeiros) é uma criança que mantém forte relação com a tia Cristina (Luciana Paes, que já havia trabalhado com Gabriela em “O Animal Cordial”) desde que a mãe morreu. Com o pai doente, a menina, muito apegada a superstições, passa os dias desejando o retorno da figura materna, enquanto seu pai, Jorge (Julio Machado), cada vez mais incapaz de exercer sua paternidade, acaba tecendo uma relação cada vez mais inusitada com ela, pautada na omissão e no silêncio.
A diretora apontou como forte influência “O Espírito da Colmeia“, de Victor Erice. Em “A Sombra do Pai” temos um mundo enlaçado ao capital, com o pai que trabalha num ambiente que o oprime e o desgasta e reforça sua masculinidade tóxica, mas também temos a criança que não superou a morte da mãe e, principalmente, a natureza e o místico como válvula de escape a esse enclausuramento das relações cerceadas pelo trabalho.
Jorge, assim, é um personagem que se assemelha ao arquétipo do Frankenstein por querer fazer o bem, mas encontra-se impossibilitado devido à sua natureza naturalmente opressora, ao ambiente em que vive e foi criado, sendo assim um ser limitado em relação às suas intenções e ao cumprimento delas.
Do contraste entre o cotidiano de um trabalhador oprimido pela própria especialidade de seu dia-a-dia e uma garotinha totalmente solta no mundo, entregue às relações sobre-humanas na tentativa de se conhecer, o filme vai tecendo uma atmosfera em que no silêncio e na contemplação há mais afago que em ações e falas; estas vão perdendo o fôlego, se mostrando cansadas e cada vez mais reduzidas devido ao distanciamento que a rotina traz em relação ao contato com o que já de mais humano: a construção de laços afetivos através do apego e da manutenção da memória.
Ficha Técnica
Ano: 2018
Duração: 92 min
Gênero: drama, horror
Diretor: Gabriela Amaral Almeida
Elenco: Nina Medeiros, Luciana Paes, Julio Machado, Rafael Raposo, Eduardo Gomes
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