Por Luciana Ramos
Dona de um conjunto de obras consistente e numeroso, Agatha Christie explorou o universo enigmático dos crimes através do seu personagem mais famoso, Hercule Poirot. Dentre suas obras, “Assassinato no Expresso do Oriente” talvez seja a mais famosa, já que tomou os leitores de assalto quando publicada, em 1934, pela complexidade e originalidade com que teceu um final muito além dos clichês da época.
Com o tempo, esse tipo de narrativa foi se reproduzindo e, assim, tornando-se mais esperado pelo público, mas, quando a adaptação da obra chegou aos cinemas quarenta anos depois, em 1974, a força da escrita de Christie mostrou-se mais uma vez: em um filme com elenco estelar e cenografia luxuosa, Sidney Lumet explorou os pequenos trejeitos de cada personagem, transformando-os em possíveis indícios de culpabilidade. A narrativa, no entanto, quando observada à luz atual, deixa muito a desejar, já que o diretor se apoia bastante em recursos literários (comuns ao cinema mudo) para explicar a trama: o prólogo, em especial, utiliza essa ferramenta autoexplicativa, o que acaba destruindo qualquer expectativa de mistério, pois indica ao espectador qual será o desfecho da obra.
Ao contrário do longa de Lumet, a nova versão de “Assassinato no Expresso do Oriente” fornece menos informações, de maneira mais espaçada, sempre entrelaçadas a situações que forçam os personagens suspeitos a agirem e, assim, revelarem um pouco mais de si. A abordagem de Kenneth Brannagh, que ainda se preocupa em incorporar mais cenas entre os depoimentos para tornar a narrativa dinâmica, mostra-se infinitamente superior não só em roteiro, mas também em estilo.
Tratando-se de um espaço confinado (o interior de um trem parado por uma avalanche), Brannagh consegue explorar as potencialidades do local, usando de closes mais claustrofóbicos quando convém a tomadas panorâmicas que deixam o local do crime para explorar os arredores e, assim, enfatizar o confinamento físico a que todos os personagens estão submetidos. Com movimentos quase contínuos, passeia pelo trem, se permitindo a construir planos mais estranhos, angulosos ou filmados de cima, que se encaixam na teatralidade da narrativa.
A história, por sua vez, apresenta Hercule Poirot (interpretado pelo próprio Kenneth Brannagh) como uma mente brilhante para, em seguida, propor um desafio: um homem (Johnny Depp) que vinha recebendo bilhetes ameaçadores aparece morto no Expresso do Oriente, o trem mais luxuoso dos anos 30. Para ele, até que se prove o contrário, todos os viajantes do vagão podem ser considerados suspeitos e, à medida em que investiga, mais duvidas acerca da honestidade dessas pessoas povoa seu pensamento.
Eventos estranhos, extraordinários continuam a ocorrer e embaralhar o pensamento lógico do detetive. Este responde aos fatos com uma obsessão pelos detalhes que o torna extravagante e ajuda a quebrar um pouco da tensão do longa com sagazes pitadas de humor. A diversidade de personalidades que compõe o corpo de suspeitos é um outro atrativo, pois fornece mais riqueza ao todo fílmico, algo enfatizado pelo talento do elenco de peso que compõe o filme.
Quando enfim Poirot chega a conclusão de sua investigação, o espectador sacia sua expectativa de diversão, provocação e encantamento estético. Não obstante, o filme ainda deixa indícios de que há espaço para mais um filme investigativo com o detetive belga, dessa vez no Egito.
Pôster
Ficha Técnica
Ano: 2017
Duração: 114 min
Gênero: drama, policial, mistério
Diretor: Kenneth Brannagh
Elenco: Kenneth Brannagh, Michelle Pfeiffer, Daisy Ridley, Judi Dench, Olivia Coleman, Willem Dafoe, Josh Gad
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