Por Luciana Ramos

Mais do que uma indústria que produz cultura, Hollywood é um espaço de fantasias. Seu início foi firmado como ponto de encontro de pessoas ansiosas em capturar imagem em movimento, reunidas em uma terra quente e longe dos direitos autorais impostos por Thomas Edison. Logo, o encantamento tomou conta do imaginário popular e fomentou o sonho de tantos que queriam se ver eternizados em película.

Porém, relatos de excessos começaram a surgir, como as mortes de William Desmond Taylor e Thomas Ince, o julgamento de “Fattie” Arbuckle e a notória dependência química de Mabel Normand. Mostrava-se, portanto, uma face mais implacável do entretenimento. Essa dicotomia entre pontos tão distantes ajudou a compor o mito fundador de Hollywood: um espaço exclusivo, onde muitos tentam a fama, mas poucos alcançam; um ambiente tão perigoso quanto encantador.

É exatamente nesse jogo que transita o novo filme de Damien Chazelle. O nome remete aos escombros das filmagens de “Intolerância” (1916), de D.W Griffith, um projeto megalomaníaco cujo fracasso condenou a carreira do diretor. Em plena Tinseltown (como era chamada essa região de Los Angeles), foram deixados restos de cenografia por anos, reforçando a teoria de decadência que contaminava o cinema.

Chazelle arquiteta uma longa sequência festiva que marca o início da projeção, regada a sexo, drogas e o inebriante som do jazz. Em meio a tantos rostos festeiros, o faz-tudo Manny (Diego Calva) se depara com a beleza e vitalidade de Nellie LaRoy (Margot Robbie), aspirante a atriz. O momento marca a ascensão da carreira dos dois e, através de suas experiências, o público é convidado a dar uma espiada nos loucos anos 20.

Por um lado, o ambiente de permissividade é retratado como impulsionador de criatividade. Sem tantas limitações, artistas das mais variadas origens visam a produção em massa de conteúdos que dialoguem com a demanda dos consumidores. Nesse ponto, o filme é excelente, sabendo condensar extensas passagens que recriam o tom caótico das filmagens, enfatizando o erro como parte fundamental da produção artística e oferecendo ótimas risadas.

Emulando temas e sequências de “Cantando na Chuva”, referenciado abertamente ao final, o diretor também se propõe a recriar o caráter disruptivo do advento do som, conectando-o diretamente às jornadas de seus personagens. Nesse ponto, o espectador com boa memória pode se recordar do longa francês “O Artista”, vide que ambas as narrativas utilizam elementos da vida do ator John Gilbert na sua composição. Aqui, ele é retratado aqui na figura de Jack Conrad e interpretado de maneira competente por Brad Pitt, que tem se mostrado sagaz na arte de equilibrar drama e comédia.

Outra inspiração é Anna May Long, estrela do cinema mudo que foi catapultada por sua descendência asiática – e, mais tarde, abandonada ao ostracismo pelo mesmo motivo. De longe a personagem mais interessante do roteiro, Lady Fay Zhu (Li Jun Li) inspira certo ar de superioridade que escapa ao desespero pela fama, tornando-a mais suscetível ao descarte. Já Sidney Palmer (Jovan Adepo) reflete a história de inúmeros artistas negros que foram humilhados e explorados por uma estrutura racista, oferecendo bons insights sobre talento e identidade.

“Babilônia” funciona como uma grande colcha de retalhos, costurando fatos, lendas, sofrimento, alegria, escapismo e um tom condenatório que perpassa toda a projeção. Valendo-se de exageros e distorções históricas, perde-se no tom moralista e pecaminoso, muito exaltado no terceiro ato. Reforça, ademais, a insistência de grandes estúdios em fazerem, de tempos em tempos, um mea culpa. Porém, ao contrário de “Nasce Uma Estrela” (1954) ou “Crepúsculo dos Deuses” (1950), falta excelência ao filme de Chazelle – ele não é pungente, equilibrado ou esteticamente inovador, lembrando de maneira insistente e pouco desejada filmes melhores.  

Não obstante, ao final resolve contrabalançar a tragédia com uma ode mal-feita (e meio cafona) ao apelo imagético de Hollywood, que faz “quase” tudo valer a pena. É um emaranhado de imagens sem liga, que inevitavelmente expõe uma prepotência escancarada da parte do diretor em tornar a sua obra parte desse arcabouço significativo.

Há um bom filme em “Babilônia”, uma comédia sobre os bastidores da produção cinematográfica, a disputa de egos e o desejo de criar cenas fortes o suficiente para serem incorporadas ao imaginário popular. Ao seu redor, impõe-se uma tragédia moralista e narcisista que desperdiça os talentos do seu elenco principal.

Ficha Técnica

Ano: 2022

Duração: 3h 09 min

Gênero: comédia, drama, história

Direção: Damien Chazelle

Elenco: Diego Calva, Margot Robbie, Brad Pitt, Jean Smart, Jovan Adepo, Li Jun Li

Veja Também:

Estômago II - O Poderoso Chef

Por Luciana Ramos   Alguns ingredientes foram determinantes para o sucesso de “Estômago” (2008), um filme de baixo orçamento que...

LEIA MAIS

O Dublê

Por Luciana Ramos   Colt Seavers (Ryan Gosling) é um dublê experiente, que se arrisca nas mais diversas manobras –...

LEIA MAIS

Rivais

Por Luciana Ramos Aos 31 anos, Art Donaldson (Mike Faist) está no topo: além de ter vencido campeonatos importantes, estampa...

LEIA MAIS