Por Melissa Vassalli
O cinema de Gaspar Noé é mercado por duas características principais. Do ponto de vista formal, a experimentação de linguagem. Já a sua temática tem sempre um tom pessimista em relação à vida – toda ordem e felicidade podem ser destruídas abruptamente. Em meio a isso ele também aborda assuntos polêmicos como sexo, incesto, drogas e violência.
Em “Irreversível”, seu filme mais famoso, ele acompanha as consequências do estupro sofrido pela personagem de Mônica Bellucci (filmado num longo plano-sequência), porém narra os acontecimentos em ordem cronológica inversa. Em “Love”, o desaparecimento de uma garota faz seu ex-namorado repensar suas escolhas de vida. Apesar de trazer um olhar demasiadamente masculino e fetichizado, uma das inovações deste filme fica por conta das cenas de sexo explícito gravadas em 3D.
“Clímax”, sua obra mais recente, não foge a esta lógica. Em uma narrativa não-linear, o diretor acompanha um grupo de dançarinos comemorando o fim dos ensaios. Durante a festa, uma bebida é supostamente batizada com LSD e todos entram em surto. O argumento é baseado na história real de um grupo de teatro, porém Noé muda a ambientação e cria novos personagens para contar sua própria versão dos fatos.
O começo pode ser bem difícil, com uma longa apresentação dos personagens e comentários machistas e preconceituosos, de onde destacam-se as sequências de dança alucinantes. Mas, a partir do momento em que o conflito é estabelecido, a história fica mais interessante. Como um pesadelo perturbador do qual se deseja, mas não se pode escapar, passamos a noite com o grupo, esperando que consigam despertar.
Embora os bailarinos tenham uma grande preocupação em saber o que eles consumiram e quem sabotou a bebida, para o diretor essa não é a questão principal. Em uma entrevista após a exibição do longa, Noé afirmou que sua intenção era falar sobre neuroses coletivas, que podem ou não ter início com o uso de substâncias químicas, e fez referência aos atentados terroristas sofridos pela França nos últimos anos, que causaram pânico em toda a população – mesmo que o filme se passe nos anos 90. Assim, é emblemático que um dos personagens acusados de dopar os colegas, e o primeiro a ser punido, tenha ascendência árabe.
“Viver é uma impossibilidade coletiva”, diz um dos intertítulos do longa. “Clímax” é um mergulho nesta impossibilidade, mostrando como um grupo pode entrar em colapso rapidamente. Mas o diretor aponta que isso é uma ironia, afinal o próprio cinema é um trabalho que só se realiza em conjunto.
No caso desta obra, o processo foi simplificado para se tornar viável (é difícil para um realizador como Noé garantir financiamento e autonomia criativa). Filmado em uma única locação, com poucos nomes conhecidos no elenco, que conta apenas com duas atrizes profissionais (os demais são dançarinos selecionados em Paris), e com um roteiro que não tinha mais do que cinco páginas, este é um filme de improviso. Foi durante as gravações que o diretor e os atores decidiram como a história iria fluir. Essa liberdade transpassa também para os movimentos de câmera, já que ela segue os personagens em planos-sequência, flutuando pelo ambiente, às vezes gerando enquadramentos pouco usais, que contribuem para a criação de uma atmosfera delirante.
Quer seja interpretado como pesadelo, alucinação ou psicose, “Clímax” não é um filme fácil, nem agradável, mas vale a pena para quem quiser uma experiência cinematográfica diferente.
Ficha Técnica
Ano: 2018
Duração: 96 min
Gênero: drama
Direção: Gaspar Noé
Elenco: Sofia Boutella, Kiddy Smile, Romain Guillermic, Claude Gajan Maull
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