Por Luciana Ramos

 

Após os fracassos retumbantes dos ambiciosos “Pinóquio” e “Fantasia”, que mais tarde se tornariam clássicos, o estúdio Disney precisava urgentemente de um produto apelativo, capaz de contrapor as perdas financeiras. Para isso, se livrou do rebuscamento do traço animado, adotando linhas simples e gerais e as aplicou em uma história curta, com cerca de uma hora, sobe um elefantinho que nasceu com orelhas muito grandes.

“Dumbo” (1941) dialogou com o público por apresentar uma poderosa mensagem: as humilhações e escárnio sofridos pelo animal pelo fato de ele ter nascido diferente traduzia um inquietante comportamento social pautado na exclusão. A moral da história referia-se à descoberta do protagonista da sua capacidade de voo (habilidade inerente ao traço tido como “deformador”) e consequente libertação da sua situação de inferioridade – embora não de forma totalitária, já que continua como atração circense ao final.

A aposta da Disney traduziu-se em sucesso de bilheteria e o filme, por sua poderosa analogia, permanece como um dos clássicos da chamada “primeira era de ouro” do estúdio. Experimentado um outro momento mercadológico, marcado pelo lucro abundante do investimento em sagas como a MCU e Star Wars, a empresa lançou-se a empreitada de reviver suas cultuadas animações em novos formatos, mesclando o live-action com o CGI – empregado nos animais e na ambientação.

O remake de “Dumbo” foi designado a Tim Burton que, nos últimos anos, adequou a “estranheza” dos seus filmes aos desígnios dos grandes estúdios, obtendo resultados decepcionantes, como a sua adaptação do best seller infanto-juvenil “O Lar das Crianças Peculiares”. No seu novo filme, ele traduz a paleta de cores característica, pautada no uso do vermelho, azul e listras pretas e brancas, a uma cenografia que recria detalhadamente os acampamentos circenses.

Este visual retrô é captado por uma fotografia surpreendentemente escura, que abusa das sombras – algo bastante incomum aos filmes familiares da Disney, mas usuais na filmografia de Burton. Assim, nota-se um pequeno toque autoral na composição estética do longa, sem que isso afete a apreciação da obra, concebida para consumo familiar.

A adaptação da história original traduz este anseio: ao invés de se pautar na interação do bebê elefante com um amoroso ratinho, a trama insere três personagens (pai e dois filhos) como fios condutores da ação dramática. São as suas percepções comparativas sobre Dumbo e o ambiente onde ele se insere que os movem da vontade de ajudá-lo.

No centro, está o Capitão Holt Farrier (Colin Farrell), que deixou o estrelato do circo para se alistar na Primeira Guerra Mundial. Ao voltar, percebe a iminente decadência da atração, que também sofreu pela perda de sua esposa acrobata. Vendo-se na obrigação de criar sozinho Milly (Nico Parker) e Joe (Finley Hobbins), ele ainda tem que aceitar a sua nova condição (a perda de um braço nas trincheiras) e consequente rebaixamento para o posto de responsável pela limpeza dos elefantes.

Ao cuidar da Sra Jumbo, ele conhece o filhote Dumbo (ou Jumbo Jr., a princípio), que nasceu com orelhas grandes demais e, por isso, é tido pelo empresário Maxmillian Medici (Danny DeVito), o dono do circo, como um investimento fracassado. A tida “deformidade”, no entanto, cria uma conexão instantânea com Farrier, que tem sofrido com os olhares de pena mal velados dos colegas. Seus filhos, por sua vez, não só se encantam pela fofura do animal, mas pela clara tristeza dele, que foi separado de sua mãe.

No remake, Dumbo não demora em mostrar a sua capacidade de voar, o que leva Medici a firmar um acordo com o empresário V. A. Vandevere (Michael Keaton), que vê nesta excentricidade o potencial para fazer uma fortuna. Como esperado neste tipo de trama, a nova vida não é tão benéfica a todos quanto o esperado, o que move Holt, Milly e Joe a traçarem um plano para reunir Dumbo com a sua mãe.

Atendo-se à premissa original, a nova versão expande bastante o número de conflitos – e participantes nas resoluções dos mesmos – resultando em uma construção narrativa que dialoga com os anseios do público atual, acostumado a jornadas heroicas pautadas no trabalho em equipe. Ainda que esta escolha proporcione bons momentos (que promovem engajamento emocional), ela também ocasiona o desvirtuamento da mensagem original, pois tira de Dumbo o processo de aceitação e autoconhecimento que o liberta no primeiro filme. Aqui, ele perde o protagonismo, não sendo capaz de guiar as suas escolhas.

Sofrendo com este problema estrutural, a história se regozija em dois pontos importantes. O primeiro concerne à aceitação. Sendo fruto de um momento pautado na intolerância polarizadora, o longa de Burton decide se afastar um pouco da narrativa tradicional, embasada na chacota e humilhação, para abraçar uma visão mais bondosa sobre o ser diferente que encabeça o título, apostando na compreensão e até afeição que os outros trabalhadores do circo têm pelo bichinho, uma mudança extremamente favorável. A segunda baseia-se na adoção de uma mensagem mais humanista quanto à vida dos animais circenses, apresentada na sequência final, mais adequada à uma sociedade também mais consciente.

A nova versão de “Dumbo” sofre com a inserção de subtramas desnecessárias e algumas mudanças importantes no cerne do roteiro, mas cumpre a sua função de encantar e entreter, mostrando-se capaz de conquistar o engajamento dos espectadores através do retrato da amizade entre o pequeno elefante e duas crianças que o veem como um ser especial – e que, por isso, merece respeito e carinho.    

Ficha Técnica

Ano: 2019

Duração: 112 min

Gênero: família, fantasia

Direção: Tim Burton

Elenco: Colin Farrell, Eva Green, Danny DeVito, Michael Keaton, Nico Parker, Finley Hobbins

Trailer:

Imagens:

Avaliação do Filme

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