Por Luciana Ramos

 

Diante um público adolescente entusiasmado, um jovem se senta em uma cadeira e é amarrado por um cinto. Ele segura uma mão de porcelana e fala o mantra “fale comigo”. Diante dele, aparece alguma alma perdida – geralmente cheia de hematomas e desgastada pelo sofrimento – que solicita a entrada no corpo do anfitrião. Segue-se, então, a possessão, que é devidamente cronometrada e filmada para postagens em redes sociais.

O conceito em torno do acesso ao oculto é tratado no filme de terror “Fale Comigo” a partir do viés do pertencimento. A dinâmica social é muito bem descrita desde o começo, assim como a aura de poder diante dos donos do artefato sobrenatural. Assim, submeter-se ao ritual – e, invariavelmente, a humilhação – concede acesso a um grupo exclusivo. Nessa organização, as redes sociais servem tanto para espiar quanto atestar e repercutir.

É exatamente o sentimento que falta em Mia (Sophie Wilde) desde que a sua mãe morreu dois anos antes. A sua carência é latente (inclusive é pontuada verbalmente por outros personagens) e, no processo de luto, ela se apegou à família de sua melhor amiga, Jade (Alexandra Jensen), como se fosse sua. Mia condensa eletricidade juvenil e uma melancolia que perpassa suas emoções, e é nessa confusão que ela decide usar a casa da amiga como cenário para um dos encontros sobrenaturais.

Tudo vai bem até o irmão mais novo de Jade, Riley (Joe Bird), decidir tentar ser possuído uma vez. Ele encarna ninguém menos que a mãe de Mia e, no desespero para se conectar com o ente querido, ela acaba arrastando a possessão além do tempo permitido. Como consequência, o garoto é internado em estado grave, além de parecer assombrado por espíritos malignos que querem possuir definitivamente seu corpo.

A partir desse ponto, a drama se desenvolve entre dois eixos. De um lado, aposta da impetuosidade dos adolescentes, que decidem redobrar a aposta para retomar o controle de uma situação claramente imprevisível. De outro, explora o luto da protagonista, concedendo a ela aprofundamento suficiente para atestar suas escolhas sem se eximir de mostrar como o seu sofrimento possui consequências palpáveis nas vidas alheias.

O filme conta muito com a performance de Sophie Wilde, absolutamente competente em traduzir a confusão de Mia diante dos acontecimentos. A sua crença persistente de que sua mãe não tirou a própria vida (embora coberta de indícios contrários) permeia inúmeras decisões e insere dúvidas sobre as intenções dos que a rodeiam; ao mesmo tempo, ela tenta preservar os laços afetivos construídos com a família de Jade, lançando-se na empreitada desesperada de desfazer o mal que causou.

Mesmo sem devotar tanto tempo de tela em sequências assustadoras, os diretores Danny e Michael Philippou conseguem criar uma atmosfera de perigo iminente, entrelaçando o luto a uma narrativa tipicamente adolescente – de amadurecimento, desejo, exclusão, pertencimento e todos os ingredientes típicos dessa fase da vida.

“Fale Comigo” é o primeiro trabalho dos irmãos australianos no cinema. Eles trabalhavam primordialmente em seu canal no Youtube criando vídeos de pegadinhas e lutas, e demonstram entender bem o público a quem destinam seus conteúdos. Conciso, porém dinâmico e eficiente, o filme já arrecadou dez vezes o seu custo de produção em bilheterias, o que sugere um futuro investimento em sequências.  

Ficha Técnica

Ano: 2023

Duração: 1h 35 m

Gênero: terror, suspense

Direção: Danny Philippou, Michael Philippou

Elenco: Sophie Wilde, Marcus Johnson, Joe Bird, Alexandra Jensen, Miranda Otto, Zoe Terakes, Chris Alosio

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