Por Luciana Ramos
O cultuado “sonho americano”, que preconiza a rápida ascensão diante do esforço individual revigora-se toda vez que uma história de sucesso é divulgada na mídia. A criação de um novo produto ou serviço e o inevitável retorno financeiro que o acompanha reforça no imaginário popular a noção de que a união de uma boa ideia com vigor profissional podem levar qualquer trabalhador a um patamar bem-sucedido. Nesta narrativa, a McDonald’s encaixa-se como um símbolo máximo dos limites do capitalismo.
No centro desta história está Ray Kroc, a imagem da marca e tida por muitos como uma mente brilhante. O que a narrativa de “Fome de Poder” propõe-se a expor é o caminho pouco moral que levou-o ao topo, recontando de forma cronológica a criação da empresa.
Nos anos 50, Kroc (Michael Keaton) não passava de um “perdedor”, no sentido socialmente difundido. Atolado em dívidas, passava os dias recebendo “nãos” e portas na cara, até entrar em contato com uma pequena lanchonete em San Bernadino, na Califórnia. Intrigado pela solicitação de uma encomenda, decide visitar o estabelecimento e depara-se com um modelo de negócios revolucionário. Em contraponto aos demorados drive-thrus da época, a pequena McDonald’s, criada pelos irmãos Ray (John Carroll Lynch) e Dick (Nick Offerman), eliminou custos através de uma refinada esteira de produção que conseguia atender uma demanda maior com menos tempo de espera.
Fascinado com o que viu, Ray decide associar-se à empresa como desenvolvedor de franquias, o que é aceito pelos irmãos McDonald’s de forma relutante. O crescimento exponencial da marca leva-o a abandonar os termos do contrato que vê como desfavoráveis e, assim, paulatinamente coloca os criadores do produto à sombra de sua própria imagem.
O filme, portanto, relata a tomada sorrateira do “fundador” a que o título original se refere a um negócio que não era dele. Ray é descrito pelo roteiro de Robert D. Siegel como um homem incansável que passa por cima de tudo e todos para alcançar seus objetivos. Ainda que antipático aos olhos do público, é retratado como de fato um visionário, já que a argumentação clara é que a McDonald’s não teria o impacto nacional (muito menos mundial) não fosse por suas sacadas empreendedoras.
No meio do caminho estão as figuras dos dois irmãos que, embora criativos, permanecem confortáveis como pequenos empresários e repelem a expansão, o que incita um questionamento moral sobre o conceito de sucesso e os limites do capitalismo. Este, no entanto, é apenas citado na superfície e a falta de um tom mais crítico é certamente sentida.
O roteiro parece demasiadamente fascinado pelo seu protagonista para questionar o modo com que age com a família, amigos e parceiros de negócio, sendo o exemplo máximo o tratamento descartável concedido à sua esposa, interpretada por Laura Dern. Em substituição a uma reflexão mais aprofundada estão conflitos operacionais, sanados com astúcia por Ray.
Tal escolha afasta “Fome de Poder” da grandeza fílmica, relegando-o ao status de bom filme. Ainda que falho em profundidade, revela-se fascinante por revelar ao mundo a história cautelosamente camuflada de uma das maiores empresas do mundo.
Ano: 2017
Duração: 115 min
Nacionalidade: EUA
Gênero: biografia, drama
Elenco: Michael Keaton, Laura Dern, John Carroll Lynch, Nick Offerman, Linda Cardellini
Diretor: John Lee Hancock
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