Por Luciana Ramos
Molly (Beanie Feldstein) e Amy (Kaitlyn Dever) são melhores amigas, unidas por um objetivo em comum: entrar nas mais prestigiosas faculdades americanas. No último dia de colégio, elas estão orgulhosas de terem abdicado de badalação em prol do bem maior, até descobrirem que o pessoal irresponsável também foi aprovado em instituições do mesmo nível.
A descoberta leva Molly à loucura, o que a leva a obrigar a sua companheira inseparável a trocar uma noite assistindo documentários por uma grande festa, planejada pelo popular Nick (Mason Gooding). Cabe a elas usar os dotes nerds – que incluem identidades falsas usadas exclusivamente até então para frequentar a biblioteca da cidade – para descobrir o local antes que seja tarde. A aventura envolve diversos hilários contratempos, que não só ressignificam as relações delas com os colegas, como também põem à prova o desejo em se provarem para os outros.
Oriundo de uma vasta filmografia que explora os anseios adolescentes em pleno processo de amadurecimento, “Fora de Série” consegue se diferenciar positivamente por atualizar o tratamento de questões identitárias, sexuais e sociais, a começar pela dupla de protagonistas, que é inteligente, consciente e feminista – sem pedir desculpas por isso.
Tendo “Malala” como palavra-chave, elas discutem de maneira natural os estereótipos que rondam os alunos do colégio que frequentam, mesclando suas conversas com referências femininas fortes. Os diálogos são carregados com certo ar de superioridade que vai se desmontando conforme cresce suas habilidades de olharem além das máscaras, ponto essencial do roteiro, reforçado no discurso da cerimônia de graduação.
Em um fantástico debut diretorial, Olivia Wilde usa todos os elementos do molde narrativo do gênero para, paulatinamente, ampliar a visão do espectador. Assim, os corredores da escola são permeados por tipos comuns, sempre apresentados com um revés: o cara popular é meio bobo, mas trata a todos muito bem; a garota “fácil”, apelidada de forma pejorativa, é muito mais inteligente e bondosa do que se imagina; o palhaço da turma acaba de ser recrutado pelo Google; a “pobre menina rica” apresenta-se como louca e sem limites, mas esconde uma tristeza que indica carência afetiva; a garota bonita é malvada com todos, mas isso se revela uma fachada protetora.
Apresentando muito mais complexidade do que comum a este tipo de produção, o roteiro investe em explorar o que há de mais rico no comportamento humano e, nisso, apresenta um ambiente social muito mais fluido e receptivo. Molly e Amy não escapam de taxações estereotipadas, mas não são figuras totalmente isoladas; ao contrário, são bem recebidas na maior parte dos ambientes que frequentam.
A jornada das duas, repleta de reviravoltas, explora o que há de mais precioso ao longa: a amizade incondicional entre as duas, um relacionamento que, embora muito codependente, expõe nas telas o amor fraternal entre duas mulheres que se apoiam, um retrato infelizmente ainda raro no cinema.
Todo este caldeirão narrativo é envolvido com um humor refinado, sagaz, irônico. Algumas sacadas, como o indesejado encontro com o diretor, a sequência alucinatória ou a conversa trocada com um entregador de pizza são simplesmente brilhantes. De fato, ri-se muito o filme inteiro, um atributo invejável a todos os diretores que se lançam na difícil tarefa de fazer comédia.
Irreverente, sagaz e extremamente atual, “Fora de Série” dobra a fórmula sem quebrá-la, proporcionando uma experiência maravilhosa a quem o assiste, que termina a projeção desejando por mais.
Ficha Técnica
Ano: 2019
Duração: 102 min
Gênero: comédia
Direção: Olivia Wilde
Elenco: Kaitlyn Dever, Beanie Feldstein, Jason Sudeikis, Jessica Williams, Billie Lourd
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