Por Luciana Ramos
Gloria Bell (Julianne Moore) nos é apresentada fazendo o que mais gosta: dançando. Ela se mexe na pista de dança com felicidade, acompanhada de um drinque e um sorriso e, embora se abra para a possibilidade de achar um par, não permite que isso defina a sua noite. Sozinha ou acompanhada, ela se mostra plena na capacidade de satisfazer aos seus desejos.
Vivendo uma rotina sem grandes emoções, a personagem se divide entre a burocracia de um trabalho repetitivo, a saudade que sente dos filhos – o rapaz (Michael Cera), envolvido nos próprios problemas, não lhe dá atenção; a garota (Alanna Ubach), mais próxima e amável, está prestes a se mudar – e o tempo reservado para conversas com amigas ou reflexões existenciais sobre a passagem do tempo com a mãe (Holland Taylor). Negando-se ao contentamento apático, ela se lança na busca pela felicidade nos modos menos convencionais, mas sem deixar de observar que o conceito por si só merece um olhar realista, não romantizado, como explica tão bem e sucintamente à Arnold (John Turturro), que conhece em um bar.
A aproximação dos dois a abre novamente para as possibilidades do amor, as quais abraça com cautela. Embora charmoso no modo elogioso que a trata, ele não consegue esconder a pulsante melancolia que sente, muito atrelada à complicadíssima relação que tem com a ex-mulher e as filhas. Este se mostra um grande empecilho na vida do casal, principalmente pelo modo com que ele lida com os problemas.
Neste ponto da trama, embora Gloria mantenha o sorriso característico ao cantar no carro, sentimos a protagonista quebrar um pouco do seu encantamento, se decepcionar com os acontecimentos. Longe de uma abordagem simplista, os roteiristas Gonzalo Maza, Alice Johnson Boher e Sebastián Lelio (também encarregado pela direção) compõem um retrato complexo de uma mulher de meia-idade, abraçando suas limitações e qualidades, a maturidade em não se permitir diminuir por outros versus a possibilidade de cometer erros, demonstrando que a sabedoria é um processo contínuo e inacabado – algo explorado tanto na sua passagem em Las Vegas como nas conversas francas com sua mãe.
A vida de Gloria é explorada pelo acompanhamento da sua rotina, sendo a somatória de pequenos momentos aparentemente insignificantes o importante para o delineamento da sua experiência. Por isso, a câmera assume um papel naturalista, explorando a luz natural, contrapondo a abundante presença de flares com o abuso de locações fechadas, o torna as cenas um pouco mais escuras do que outras produções do gênero. A estética se complementa com a opção por imagens granuladas, que concedem ao longa um caráter mais intimista.
Por se tratar de uma obra voltada para os personagens, a atuação possui grande papel no seu sucesso. O elenco de apoio mostra-se bastante caloroso e afinado, formando uma ótima sustentação para Julianne Moore brilhar. No papel principal, ela concede uma performance absolutamente adorável: suas complexas feições são capazes de indicar a miríade de sentimentos confusos e opostos experimentados pela protagonista a cada minuto; já a leveza do seu corpo ao movimento da dança traduz o afinco com que ela abraça a vida.
Seu parceiro em cena, John Turturro, também oferece um ótimo trabalho, que merece ser destacado pela sua complexidade. Arnold é um homem sem controle da própria vida, por vezes inseguro, outras extremamente egoísta, o que complica a sua apreciação – tanto pelos outros personagens da trama como pelo público. No entanto, o ator consegue oferecer a vulnerabilidade necessária para justificar as suas ações, oferecendo um caráter humano que não deve ser desmerecido.
“Gloria Bell” nasce do momento frutífero da carreira de Sebastián Lelio, que decidiu se lançar ao escopo das produções hollywoodianas com o remake de seu filme chileno “Gloria”, de 2013. Seguindo a linha narrativa do original, o novo filme não se mostra tão inovador, mas ainda assim cativante, dado o cuidado e carinho com que é montado um panorama de uma mulher complexa, independente e, por vezes, feliz.
Sua jornada é pontuada pelas escolhas musicais, que traduzem suas emoções e percepções. Aqui, aproveito para criticar a tradução da obra no português, que apenas legendou parcialmente as canções, privando o espectador de um entendimento mais aprofundado das passagens emocionais. O filme termina ao som de “Gloria”, de Laura Branigan, quando a protagonista aos poucos supera o peso que carrega nos ombros, movimentando-se mais e mais livremente na pista de dança, o que resume bem a sua personalidade ao traduzir visualmente sua filosofia: “Se o mundo acabar amanhã, quero morrer dançando”.
Ficha Técnica
Ano: 2019
Duração: 102 min
Gênero: romance, drama, comédia
Direção: Sebastián Lelio
Elenco: Julianne Moore, Alanna Ubach, John Turturro, Rita Wilson, Holland Taylor, Michael Cera
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