Por Luciana Ramos
Nos já distantes anos 2000, em meio à renovação das narrativas de super-heróis, a Sony Pictures investiu alto em uma trilogia voltada para o Homem-Aranha, explorando o dilema existencial do personagem (ter uma vida normal ou arcar com as responsabilidades de seus poderes) em filmes leves e bem balanceados. Em retrospecto, os vilões parecem complexos em suas ambições e fragilidades; já os traumas vividos pelas duas versões de Peter Parker (a de Tobey Maguire e Andrew Garfield) abrigam pesos enormes em suas psiques, forçando-os a caminhos obscuros ou pouco escusáveis.
A recepção mais tímida do público aos filmes “espetaculares” da segunda fase, em junção ao esperado acordo de direito de exploração do personagem pela Marvel, levou esta empresa, em conjunção com a Sony, a rebotar a franquia mais uma vez, focando em uma experiência mais adolescente e, portanto, contida no mundo pessoal do novo Peter Parker (Tom Holland). Assim, mesmo tendo participado dos Vingadores e tido um papel decisivo no desenrolar da jornada destes contra Thanos, o Homem-Aranha dos novos filmes lidava com pautas escolares que invariavelmente se chocavam com algum plano vilanesco que o propalava a agir.
No seu terceiro e, sem dúvida, mais ambicioso longa, a trama se expande exponencialmente para abrigar todos os fatos, personagens e símbolos dos quase vinte anos de saga deste super-herói nos cinemas. Ao fazê-lo – com a ajuda do Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) – ele também se insere de maneira mais decisiva no curso narrativo de longo prazo da Marvel. Por assim dizer, o peso das consequências de seus atos será sentido em longas vindouros e serve de preâmbulo do “multiverso da loucura” anunciado pela MCU.
O filme começa no ponto de término do anterior, quando Parker é desmascarado em rede nacional após uma publicação em vídeo de Mysterio (Jake Gyllenhaal) momentos antes da sua morte. Ele é perseguido, questionado e investigado; tem sua privacidade invadida e, portanto, é forçado a se mudar com May (Marisa Tomei) para a casa de Happy Hogan (Jon Favreau). Incomodado por ter atrapalhado o futuro de todos associados ao seu nome, ele vai até a residência do Dr. Estranho em busca de um feitiço capaz de desfazer tudo. Durante o processo, porém, Peter não consegue deixar de interferir e, assim, inadvertidamente abre um portal para outros universos. Dele, são atraídos todos aqueles que conhecem “Peter Parker” em qualquer versão.
O super-herói é levado a batalhar com figuras como o Duende Verde (Willem Dafoe), o Dr. Octopus (Alfred Molina) e Electro (Jamie Foxx). Contando com a ajuda de MJ (Zendaya) e Ned (Jacob Batalon), ele tenta capturar os vilões e mandá-los de volta aos seus respectivos mundos…até saber que todos caminham para a inevitável morte. Isso o leva a ponderar sobre um possível equilíbrio entre o destino e possibilidades de segundas chances. Seus questionamentos parecem ingênuos em face ao que os espectadores já sabem de cada um dos opositores, mas o roteiro constantemente os lembra da bondade inerente a Peter, caracterizando-a como parte vital da sua tomada de decisões e que, inoportunamente, lhe causa traumas.
Ao investir nessa linha dramática, o terceiro longa da nova fase do Homem-Aranha reveste-se de maior melancolia, aproximando-se em tom das produções anteriores. Conforme o roteiro de “Sem Volta Para Casa” deixa claro, Peter precisa passar por pontos decisivos de sua jornada a fim de amadurecer e, assim, moldar-se no herói da vizinhança, alguém que aposta na leveza cotidiana, mas carrega chagas dentro de si.
Ao equilibrar diálogos engraçados e metalinguísticos com boa fundamentação, o filme revela-se superlativo em todas as maneiras, desde a proposta aos efeitos e designs de imagem e som. Espertamente, ele se assume um fan service de cara, mas sabe servir os elementos simbólicos do personagem em doses homeopáticas e inteligentes. Costurando tantos elementos, demonstra ser uma experiência cinematográfica no seu sentido mais amplo: é engajador, emocionante e se vale da expectativa e animação dos espectadores para despertar uma catarse coletiva.
Assim, é cinema em seu estado mais puro, reativando uma sensação perdida no isolamento imposto durante a pandemia. É um retorno celebratório, uma homenagem e um demonstrativo da capacidade da arte – de entreter, mas também de conectar. “Homem-Aranha: Sem Volta Para o Lar” é simplesmente um deleite.
Ficha Técnica
Ano: 2021
Duração: 2h 28 min
Gênero: ação, aventura, fantasia
Direção: Jon Watts
Elenco: Tom Holland, Zendaya, Jacob Batalon, Marisa Tomei, Jon Favreau, Willem Dafoe, Alfred Molina, Jamie Foxx