Por Murillo Trevisan
Provavelmente você já ouviu falar de Planet Hemp, uma das maiores bandas de rap – “rap, rock’n’roll, psicodelia, hardcore e ragga” – dos anos 90, que caiu nas graças de muitos, enquanto servia de incômodo para outros. O grupo era frequentemente rotulado por fazer apologia à maconha por conta de suas letras, que em sua maioria mencionavam a erva, enquanto buscavam falar sobre a libertação em meio à um sistema opressor e hipócrita.
O que poucos sabem, é que a banda surgiu por acaso, pela força do destino em que colocou seus dois fundadores frente a frente. Essa é a história de “Legalize Já – Amizade Nunca Morre”, que relata o encontro de Marcelo D2 (Renato Góes) e Skunk (Ícaro Silva), dois caras bem diferentes mas que tem em comum o apreço pela música e as dificuldades que enfrentam para sobreviver a cada dia.
O enredo adaptado por Felipe Braga (“Latitudes”) faz questão de dividir com igualdade o tempo de tela dos dois, traçando paralelamente a jornada de cada personagem e seus obstáculos, que não são poucos. Marcelo por exemplo, é camelô no centro do Rio de Janeiro e tem seus produtos apreendidos quando o “rappa” passa confiscando tudo. Não bastasse isso, ele é expulso de casa pelo seu pai Dark (Stepan Nercessian) – sim, Dark Gomes Peixoto, que segundo o Marcelo “era pra ele chamar Joana Dark, mas nasceu homem” – enquanto sua namorada Sônia (Marina Provenzzano) está grávida e precisa de dinheiro para fazer o aborto.
Já Luis Antônio, o Skunk, mora de favor e sobrevive vendendo fitas de mixagens para a radialista Suzana (Rafaela Mandelli), sendo alimentado pelo amigo argentino e dono de um bar, Brennand (Ernesto Alterio). Seu maior desafio é encarar todos esses obstáculos enquanto enfrenta o peso de uma doença que lhe enfraquece fisicamente. Apesar do infortúnio, o personagem interpretado por Ícaro Silva (“Elis”) exala alegria e se mostra agradecido com a vida. Mérito de Ícaro, que esbanja carisma em tela, embora por vezes deslize ao tentar forçar algumas gírias.
Acostumados a lidar com temáticas mais profundas e “das ruas”, os diretores Johnny Araújo (“O Magnata”) e Gustavo Bonafé (“O Doutrinador”) conduzem sem grandes dificuldades os dois núcleos em sincronia e com pouca quebra de ritmo na narrativa. O alinhamento com os atores tornam o andamento mais fluido e orgânico, por mais que por vezes ainda sofra com o habitual problema do cinema nacional, a falta de capricho na direção de elenco. Renato Góes consegue pegar bem os trejeitos do D2, mas em alguns momentos aparenta estar um pouco travado.
Vítimas de um sistema que exige mais do que lhes oferece oportunidades, os protagonistas batem de frente (literalmente) após uma confusão entre polícia e ambulantes no centro. Skunk pega, por engano, o caderno de rimas de Marcelo e ali descobre o seu talento para o rap. A partir daí, o jovem inicia sua insistência para que os dois façam a parceria e ingressam na carreira musical. A resistência fica pelo lado de Marcelo, que passa pelos cinco estágios de aceitação da mudança, estrutura frequentemente utilizada em roteiros com histórias de origem.
A união dos dois amigos nos presenteia com emocionantes diálogos filosóficos e passagens musicais homenageando o hip-hop e sua essência. Bandas como Cypress Hill e Beastie Boys são destacadas como maiores influências no estilo desses jovens artistas. A construção das letras da Planet Hemp também é apontada, explicando seu peculiar gênero e ressaltando que não se trata apenas de música, mas de um grito de desespero.
Detentor de paisagens maravilhosas, o Rio de Janeiro aqui é apresentado apenas pelo lado urbano, sem vislumbres das praias em momento algum. A opção da coloração acinzentada marca ainda mais essa urbanidade, utilizando um forte contraste entre os tons pretos e brancos que destacam a disparidade entre classes sociais, ou ainda, o preconceito das autoridades que não enxerga a linha tênue entre o “bandido” e o “cidadão de bem”.
“Legalize já” é muito mais que um filme sobre a formação de uma banda, é uma história de amor entre dois desconhecidos que se tornaram irmãos e um grito de protesto em meio a um período tão precário em que o país está passando. Uma obra que pode enfadar por se tratar de assuntos polêmicos, mas também emocionar com essa amizade que nunca morre!
Pôster
Ficha Técnica
Ano: 2017
Duração: 95 min
Gênero: drama, biografia
Direção: Johnny Araújo, Gustavo Bonafé
Elenco: Renato Góes, Ícaro Silva, Marina Provenzzano, Stepan Nercessian, Rafaela Mandelli
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