Por Luciana Ramos

A convivência social depende da aceitação às diferentes percepções do mundo em esferas como a religião, política e costumes. Sendo assim, a plenitude deste contrato social pode facilmente posta à prova se contaminada por preconceitos velados ou o embate direto de visões conflitantes, derrubando, neste processo, o senso de comunidade.

A perda deste sentimento conciliatório e pacifista é incontestável diante da acirrada polarização que o mundo presencia. Este tema é destrinchado pelo diretor Michel Leclerc em “Luta de Classes” a partir da observação do comportamento de crianças em uma sala de aula.

Morando no subúrbio parisiense, Sofia (Leïla Bekhti) e Paul (Edouard Baer) simbolizam a diversidade francesa, de certa forma: ela, uma advogada árabe de origem mulçumana (embora tenha abandonado a crença na religião) e ele, baterista de uma banda de punk rock, vivem juntos e guiam-se por preceitos esquerdistas/progressistas, abdicando do casamento formal ou de qualquer adoção ao regime de capitais que vise lucros e, assim, ponham em xeque suas crenças – isto inclui tanto a recusa dele em vender o apartamento pelo valor de mercado quanto às criticas dela ao ensino privado.

Porém, o estilo de vida que pregam é contestado após um incidente na escola Jean Jau, onde o filho Corentin (Tom Lévy) estuda. Pouco a pouco, os pais que têm melhores condições financeiras vão transferindo seus filhos para instituições privadas, dando espaço à maior ocupação do espaço público por imigrantes. Ainda que não se sinta à vontade com seus próprios preconceitos, Paul admite que o cenário o aflige, sentindo-se acuado como “único pai branco”.

Suas ponderações são reforçadas quando o pequeno Coco passa a ser questionado pelos colegas acerca de sua falta de convicção religiosa. A escalada deste conflito interno, reconhecido pelos pais como bullying, vai tomando proporções muito maiores a partir do momento em que os dois decidem intervir diretamente nos laços escolares tão espontaneamente desenvolvidos por crianças: assim, um debate que se resolveria em poucas horas após ser esquecido acirra-se e escancara as diferenças sociais daqueles alunos.

O debate, então, amplia-se para outras áreas, como o uso do discurso social como marca, pautado quando Leila descobre ter sido promovida por sua etnicidade ou a ineficácia de algumas ações pela falta de conexão dos interesses dos interlocutores e receptores da mensagem, como é o caso da apresentação da banda Amadeus 77 para refugiados. Outros temas, como a notável deterioração do sistema educacional público francês e a infeliz tarefa de conscientização de crianças sobre os riscos de ataques terroristas são igualmente abordados.

Este último, por sinal, é explorado em uma sequência hilária em que a Madame Delamare (Baya Kasmi, que roteirizou o filme com Leclerc), a professora, com medo de assustar seus alunos, enrola-se nas explicações por conta da sua incapacidade de concisão e acaba alarmando ainda mais os ânimos dos alunos. Alias, deve-se ressaltar a leveza do filme, que não se esquiva da urgência dos temas que coloca, atentando-se às suas contradições e hipocrisias, mas sabe enxergar o humor nos seus personagens e nas suas interações cotidianas.

Ao fim, o diretor abre espaço para o diálogo, demonstrando as capacidades conciliatórias existentes em visões opostas caso as partes interessem-se em ouvir umas às outras. “Luta de Classes” é um filme muito interessante, que sabe equilibrar muito bem potencialidades fílmicas distintas: o entretenimento e a reflexão.    

 

*Esta crítica faz parte da cobertura do Festival Varilux em Casa, realizado entre abril e agosto de 2020 – Disponível na plataforma Looke

Ficha Técnica

Ano: 2019

Duração: 103 min

Gênero: comédia, drama, família

Direção: Michel Leclerc

Elenco: Leïla Bekhti, Edouard Baer, Tom Lévy, Baya Kasmi, Eye Haidara, Ramzy Bedia

Avaliação do Filme

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