Por Luciana Ramos

 

Publicado em 2008, “O Homem que Não Amava as Mulheres” fez um sucesso estrondoso em todo o mundo, concedendo fama ao escritor Stierg Larsson e a sua criação, Lisbeth Salander. De perfil extremamente antissocial, ela era atraente por compensar as falhas sociais com uma inteligência aguçada, capaz de quebrar a criptografia dos documentos mais secretos e hackear a quem fosse necessário para cumprir seus objetivos.

A tríade de livros lançada por Larsson mostrava-se atraente por construir uma aura de suspense através do processo investigativo comandado pelo jornalista Mikael Blomkvist na sua revista, Millenium. Seus caminhos muitas vezes cruzavam com os da Salander, formando uma dupla pouco convencional, mas de extrema eficiência. A morte repentina do autor chocou aos fãs e moveu a editora detentora dos manuscritos a contratar David Lagercrantz para continuar a saga literária.

Nos cinemas, Lisbeth e Mikael foram retratados em uma trilogia sueca que se manteve fiel à história e lançou a carreira internacional de Noomi Rapace. Esse feito consolidou a vontade de produtores americanos de transformar “Millenium” em uma franquia global de sucesso. Porém, a abordagem excessivamente racional e morna dada por David Fincher em “O Homem que Não Amava as Mulheres” – mesmo que reconhecida pela Academia – fechou as portas para a exploração comercial deste universo…até agora.

 

 

É este ímpeto capitalista, ressurgido com novos atores e direção, que move “Millenium: A Garota na Teia de Aranha”, baseado no quarto livro da saga, escrito por Lagercranzt. Este é claramente notado na cena inicial, quando Lisbeth invade a casa de um empresário que agride sua mulher, o tortura e a liberta. Este tipo de comportamento, ainda que próximo do seu trauma de origem, em nenhum momento é jogado nos livros sem uma grande contextualização. Em outras palavras: o caráter analítico da personagem, combinado a seu isolamento social, a faz mover quando provocada, comportamento fundamentado nas inúmeras metáforas envolvendo xadrez. Este delineamento também se alinha ao seu convívio com Mikael, a quem se propõe “ajudar” estritamente quando interessada com o desvendamento do mistério em questão.

Sendo assim, a sua persona fílmica, a de justiceira social, não se encaixa na sua essência, sendo muito mais uma provocação que justifica o número de cenas de ação. Este problema narrativo atinge o seu ápice quando a dinâmica entre os personagens é mudada significativamente e é ela quem pede a ajuda do jornalista.

Mudanças como essa na história de base levam a problemas narrativos estruturais. Primeiramente, há um esvaziamento do processo investigativo, algo observado pela participação quase inútil de Blomkvist (Sverrir Gudnason) na trama. Ele, no entanto, não é o único a sofrer com a superficialidade: Frans Balder (Stephen Marchant), cientista renomado que cria um artefato tecnológico de imenso potencial destrutivo, dispõe de pouquíssimas cenas, onde em nenhum momento são fundamentadas as suas motivações, uma falha grave dado que sua criação é o objeto que movimenta todos os personagens da trama.

Já o seu filho, August (Christopher Convery), é descrito no livro como savant (pessoa autista de talentos primorosos), construção importante porque, ao se tornar testemunha de um crime, o garoto torna-se a chave para a solução do mistério, algo dificultado pela sua limitação de linguagem. Porém, na versão cinematográfica, ele perde essas características essenciais, tornando-se inconsistente e desinteressante.

 

 

Não obstante, a trama faz a infeliz escolha de revelar logo ao começo a sua vilã, um nítido esforço de pautar todo o longa ao redor da sua anti-heroína. Este movimento, no entanto, enfraquece a aura de tensão, muito por conta da apatia cruel de Camila (Sylvia Hoeks). A história entre ela e Lisbeth é interessante e poderia provocar questionamentos sobre a relação entre o destino destas personagens com suas jornadas, mas, quando concretizada, não consegue conferir a carga emocional necessária para segurar toda a produção.

Sem isto, “Millenium: A Garota na Teia de Aranha” relega-se a uma infinidade de cenas de ação, onde todos os personagens, incluindo um agente da NSA (Lakeith Stanfield), pegam em armas e partem para o combate. A determinação e capacidade técnica dos opositores de Salander e Blomkvist torna essas sequências eletrizantes, algo potencializado pelo investimento em explosões, sempre apelativo. O diretor Fede Alvarez sabe contrapor movimentações de câmera ágeis aos closes que expõem a subjetividade dos seus personagens, um tratamento estético formal, mas que funciona.

Neste campo, destaca-se a fotografia, que trabalha bem a dicotomia entre as cores preto e branco. A protagonista, sempre de trajes escuros, é filmada com frequência em contraste com a neve ou contra um foco intenso de luz, algo que a destaca no quadro. Sua opositora, Camila, torna-se uma presença imagética forte pelo tom vibrante de suas roupas vermelhas, escolha que remete metaforicamente ao sangue que derrama por onde passa.

O esmero técnico, porém, não é capaz de suprimir as lacunas deixadas pelo roteiro. Assim, nem o ótimo trabalho de Claire Foy, que encarna não só a determinação como a vulnerabilidade de Lisbeth, é capaz de tornar “Millenium: A Garota na Teia de Aranha” algo além de um produto genérico, que facilmente será esquecido.

 

Pôster

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Técnica

 

Ano: 2018

Duração: 117 min

Gênero: crime, suspense, ação

Direção: Fede Alvarez

Elenco: Claire Foy, Lakeith Stanfield, Beau Gadsdon, Sverrir Gudnason

 

Trailer:

 

 

Imagens:

Avaliação do Filme

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