Por Melissa Vassali

 

Quantos quilômetros são necessários para se fazer um road movie? “A Noiva do Deserto” nos mostra que são poucos. Co-produção entre Argentina e Chile que estreia essa semana, o filme conta a história de Teresa (Paulina García) , uma empregada doméstica que trabalhou por mais de 30 anos para uma família de Buenos Aires. Com o casamento do filho de seus patrões e a venda da casa, ela é despedida e precisa migrar para o interior, onde foi indicada para um novo serviço. Apesar de a viagem ser longa, algumas intercorrências fazem com que ela fique presa em uma região árida, enquanto espera uma nova oportunidade para partir.

Primeiro, ônibus quebrado, terminal lotado e atrasos. Quando pensa que vai conseguir seguir viagem, a protagonista percebe que esqueceu sua mala no trailer de Gringo (Claudio Rissi), um vendedor ambulante. Para quem acumulou poucas coisas e afetos ao longo da vida, a pequena mala cinza era tudo. É aí que começa a jornada de Teresa. Ao reencontrá-lo e descobrir que sua bagagem não está mais com ele, os dois percorrem algumas estradas da região, indo aos postos onde o comerciante costuma descarregar suas mercadorias.

Eles se afastam pouco do ponto de partida, andam quase em círculo. Longe de suas atividades habituais, sem poder regressar nem prosseguir, ela coloca sua vida em perspectiva e percebe-se estagnada já há muito tempo. Dedicou-se a uma família que não era sua, amou como seu o filho de outra mulher. Alguns flashbacks expõem a dinâmica da casa onde Teresa trabalhava e a falsa sensação de pertencimento – falsa porque apesar da aparente proximidade entre os empregadores e a empregada, a última é facilmente dispensada quando não serve mais aos interesses dos patrões, apesar dos anos de abnegação. A questão de classe é evidente e lembra a abordagem de “Que Horas Ela Volta?” (Anna Muylaert, 2015), ainda que o assunto não seja tão aprofundado quanto no filme brasileiro.

Com uma narrativa simples, o grande destaque de “A Noiva do Deserto” é a sua protagonista. A atriz Paulina García é bastante sensível ao interpretá-la, mostrando suas angústias, mas também sua força. A personagem está sempre em posição central no quadro. A escolha do deserto como cenário tem uma carga simbólica para o desenvolvimento do enredo, funcionando como metáfora para a austeridade de Teresa, ao mesmo tempo em que a coloca numa situação vulnerável. A fotografia alterna entre primeiros planos, que nos conectam às suas emoções, e planos abertos, que deixam ver a imensidão do deserto e as estradas que se perdem no horizonte.

O extrovertido Gringo faz contraponto com a personalidade reservada da protagonista, e a interação entre eles é fator decisivo para que ela cumpra sua trajetória de amadurecimento, típica dos road movies. Considerando-se que o longa foi dirigido por duas mulheres, poderia ser problemático, sob uma interpretação feminista, que essa transformação esteja atrelada ao encontro com um homem, mas a solução apresentada pelas diretoras funciona – ter independência não é sobre não amar, mas é sobre amar e poder escolher o seu lugar no mundo. Ao se permitir viver experiências que antes havia negado para si mesma, Teresa assume o controle de sua história. E sua jornada se conclui não com o relacionamento em si, mas por finalmente aprender a amar – e partir – sem apego.

 

Pôster

 

Ficha Técnica

Ano: 2017
Duração: 88 min
Gênero: drama
Direção: Cecilia Atán, Valeria Pivato
Elenco: Paulina García, Claudio Rissi

 

Trailer:

 

 

 

Imagens:

 

Avaliação do Filme

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