Por Murillo Trevisan
Enquanto produções derivadas dos gigantescos universos criados pela Marvel e DC Comics se consolidam como verdadeiras minas de ouro para Hollywood, o cinema nacional tenta traçar a mesma rota de sucesso e transpor suas histórias da mídia impressa tupiniquim para as telonas. Só no ano de 2018 já foram três longas, sendo eles: “Motorrad”, de Vicente Amorim (“Corações Sujos”) baseado nas HQs de Danilo Beyruth, “Tungstênio”, projeto de Heitor Dhalia (“O Cheiro do Ralo”) baseado na obra homônima de Marcello Quintanilha e, agora “O Doutrinador”.
Criado em 2010 pelo designer gráfico e quadrinista Luciano Cunha, o anti-herói brasileiro caçador de políticos corruptos se popularizou em meados de 2013, um pouco antes da “explosão” das manifestações políticas dos “20 centavos”. De lá para cá, assim como a insatisfação do povo com aqueles que se dizem nossos representantes, a popularidade do personagem também só vem crescendo, seja ela gerando empatia ou repúdio.
No filme, do qual serve de prelúdio para uma vindoura série de TV que estreará em 2019, Miguel (Kiko Pissolato) é um agente federal envolvido na investigação de desvio de verba da saúde pública pelo atual governador Sandro Correa (Eduardo Moscovis) que – mesmo com todas as provas o indicando como culpado – consegue sair impune. Em meio à indignação, o agente tem sua vida virada de cabeça para baixo quando um evento, representado por uma cena ridiculamente mal executada, afeta sua vida pessoal, despertando nele um desejo de vingança.
Desse trauma inesperado surge o vigilante mascarado, que se propõe a atacar a impunidade que permite que políticos e donos de empreiteiras enriqueçam às custas da miséria e do trabalho da população brasileira. A origem do anti-herói, assim como grande parte da obra fílmica, é jogada de qualquer jeito para o espectador: ele está em meio à uma manifestação, brigando com a tropa de choque quando é atingido por uma bomba de gás lacrimogêneo e, do nada, jogam a máscara para ele. O que pode servir como licença poética numa HQ, até mesmo pela quantidade escassa de quadros que tem para desenvolver a narrativa, não se adapta bem à um filme onde se tem 24 deles a cada segundo.
Fazendo uma mescla de “O Justiceiro” com “Batman”, o personagem se apoia a todo momento em atitudes impensáveis e inconsequentes, usando o opressor (no caso os políticos corruptos) como alvo, para causar um frenesi ao público revoltado. Ele empresta o conceito de filmes como “Bastardos Inglórios” e “Django Livre” – ambos de Quentin Tarantino – que usam o inimigo histórico para fomentar simpatia a causa, trazendo para os dias de hoje.
A direção de Gustavo Bonafé (“Legalize Já: Amizade Nunca Morre“) é bastante confusa. Algumas das situações espaciais do filme são solucionadas com um simples corte de uma cena para a outra, sistemas de segurança são facilmente hackeados, ou fazendo com que os eventos sejam definidos unicamente pelas escolhas dos personagens apresentados sem que haja interação do resto do mundo. Erros de continuidade também se fazem bastante presentes, tendo como exemplo uma evidência que foi filmada com o celular na horizontal, sendo exibida na sequência com a imagem na vertical e posteriormente na horizontal novamente.
Embora seja de consenso geral que algumas atitudes – no meio político principalmente – realmente ocorram, o modo como é demonstrado soa muito caricato. Frases de efeito colocadas na boca de alguns vilões canastrões instigam ainda mais esse sentimento. Outro ponto que incomoda é o marketing explícito do patrocinador do longa: a marca aparece de quatro a cinco vezes roubando a cena, como nas telenovelas no início dos anos 2000.
Do segundo ato em diante, até é possível se adaptar aos problemas de produção e aceitar só como puro entretenimento essa jornada vingativa do vigilante anticorrupção, que serve como apresentação rasa de um personagem que provavelmente ganhará uma profundidade maior na série que vem por aí.
Pôster
Ficha Técnica
Ano: 2018
Duração: 108 min
Gênero: ação, crime, drama
Direção: Gustavo Bonafé, Fábio Mendonça
Elenco: Kiko Pissolato, Samuel de Assis, Tainá Medina, Eduardo Moscovis
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