Por Luciana Ramos
O Natal é, para muitos, uma época de união e confraternizações, em que ideais como fraternidade e esperança se renovam nos lares apinhados de familiares. Para outros, é marcado pela correria típica de final do ano, com incessantes listas, filas de fotos com Papai Noel e presentes de amigo secreto. É exatamente essa a dicotomia vivida por Pepê (Lázaro Ramos) e Tina (Ingrid Guimarães), que planejam comemorar a data pela primeira vez como uma família estendida – com dois filhos de cada para agregar. Algumas diferenças de estilo parental surgem, mas eles decidem que uma boa ceia resolveria todos os problemas. Acontece que a pequena Maju (Valen Gaspar), ainda sofrendo com a perda da sua mãe, pede em voz alta que o Natal seja exterminado da face da Terra…e tem seu desejo atendido.
No dia seguinte, apenas esse núcleo familiar lembra da ocasião e, inconformados com o sumiço do Natal, eles decidem se engajar para rememorar a data nas mentes de todos os brasileiros. Seguem-se tentativas um tanto loucas de refazer símbolos característicos, como a fantasia do Papai Noel, e adequar outros à realidade de um país tropical: nessa nem o trenó é poupado, que logo se vê substituído por um jet-ski puxado por capivaras gigantes.
A ótima premissa de “O Primeiro Natal do Mundo” é preenchida por reflexões divertidas sobre os elementos que compõem a data: o que acontece com perus que não são caçados? E o mês de dezembro para o comércio sem a data? Em uma esfera mais filosófica, debate-se o peso cultural da celebração do nascimento de Jesus, muito calcado na união, fraternidade e maior tolerância social.
Sem nunca perder a graça, o roteiro costura uma série de situações que alternam esses diferentes ângulos de debate, contando com o forte compromisso do elenco em vender a ideia. Sem o entusiasmo e propensão de Lázaro Ramos e Ingrid Guimarães em usar a comédia física, o filme talvez não fosse tão gostoso de ver. Felizmente, todos os ingredientes se casam de maneira eficiente, dando vazão a uma produção genuinamente boa sobre uma data que, embora extremamente popular, permanece pouco explorada pela produção audiovisual do Brasil.
A fluidez da obra decorre tanto do talento de Susana Garcia para dirigir comédias de costumes – aqui dividindo a cadeira com Gigi Soares – quanto da Amazon Prime, cujo investimento de produção é perceptível. Ao centro, está um elenco afiadíssimo, que sabe equilibrar o humor com doses precisas de conflitos, sempre conduzidos com delicadeza e amorosidade, compondo um panorama complexo de uma família tão falha quanto bem-intencionada.
A ironia e pragmatismo da personagem de Ingrid faz um bom contraponto ao purismo-coração-mole do Pepê de Lázaro, e a dinâmica contribui muito para alavancar o engajamento emocional estabelecido com o espectador. Em uma outra ponta – superdivertida por ser extravagante – está Fabiana Karla, que explora bem os traços capitalistas de sua vilã. Todo o elenco mirim, composto por Valen Gaspar, Yasmin Londuik, Theo Matos e Igor Jansen é muito natural e simpático, apontando para a ótima direção de atores da produção.
Dentre eles, destaca-se o pequeno Theo, que dá vida ao (na ausência de melhor adjetivo) fofo Gael. O modo confortável com que lida com a câmera é incomum nessa idade, e o garoto ainda possui um dom natural de improviso que é realmente notável. Sabiamente, Garcia e Soares exploram muito bem seu charme, usando o personagem para pontuar comicamente as situações familiares, além de explorar seus dotes musicais.
“O Primeiro Natal do Mundo” é um filme muito bem escrito, divertido e emocionante, que possui uma qualidade essencial às produções de streaming: pode ser consumido em repetição sem cansar, como as melhores obras natalinas, mas com o diferencial de ser tipicamente brasileiro.
Ficha Técnica
Ano: 2023
Duração: 2h
Gênero: comédia, Natal
Direção: Susana Garcia, Gigi Soares
Elenco: Ingrid Guimarães, Lázaro Ramos, Fabiana Karla, Valen Gaspar, Yasmin Londuik, Theo Matos, Igor Jansen