Por Luciana Ramos

 

Publicado nos anos 30, “A História de Ferdinando”, de Munro Leaf e Robert Lawson, fez imenso sucesso na época pelo caráter pacifista, que pregava a aceitação às diferenças. A aclamação pública levou a Disney, ainda sob comando do seu fundador, a transformar a história em um curta-metragem, “Ferdinando, O Touro”, que ganharia o Oscar em 1939.

 

Após muitas décadas, o conto infantil sobre um animal que não se encaixa no seu habitat ganha nova adaptação, agora na forma de longa-metragem, nas mãos do brasileiro Carlos Saldanha (“A Era do Gelo 2”, “Rio”). Advogando por um ambiente onde cada ser sinta-se livre para escolher como desejar viver, o filme faz-se extremamente pertinente diante do clima polarizado que contagiou o mundo. No entanto, falha ao ater-se somente ao necessário, sem explorar o assunto com profundidade dramática.

 

 

A trama gira em torno de Ferdinando, um touro diferente dos outros. Além de ser encantado por flores, ele tem plena convicção de que não deseja seguir a vida de lutador, ainda que este seja o único caminho para animais do seu porte. Quando seu pai não volta da arena, ele foge e encontra abrigo na fazenda de Nina, onde vive feliz. No entanto, um incidente na cidade o faz voltar à força a Casa Del Toro, onde reencontra velhos conhecidos. Lá, ele tem que lidar com sua origem e, assim, definir o seu futuro.

 

A sua jornada é contada através de fórmulas conhecidas de filmes infantis, como a inclusão de números de dança, um personagem secundário que atua como alívio cômico (Lupe, a cabra), um opositor (Valente), alguns bichinhos graciosos (Um, Dois e Quatro) e a exploração de alguma característica diferente que o cause dor, mas invariavelmente sirva como elemento de lição moral. Além da já referida aceitação às diferenças, são pinceladas críticas à tradição violenta das touradas e apoio a liberdade individual. Esses temas tão ricos, ainda que fiquem claros durante a projeção, jamais são alvo de maior aprofundamento narrativo. A clara preocupação do diretor em cumprir a sua função de entreter as crianças o leva a privilegiar o uso de uma sucessão de gags visuais que, embora sejam bem divertidas, impedem um trabalho mais apurado de roteiro.

 

Assim, ainda que “O Touro Ferdinando” funcione em linhas gerais, jamais consegue atingir o requinte narrativo ou sequer técnico de outros filmes, a exemplo do recente “Viva: A Vida é uma Festa”. A experiência é ainda prejudicada pela má dosagem da personagem secundária Lupe, cuja insistência e excesso de energia a tornam cansativa, algo potencializado pela dublagem caricata de Thalita Carauta. Outras passagens, que deveriam ser engraçadas, seguem pelo mesmo caminho, como é o caso das cenas incluindo os cavalos da Casa Del Toro.

 

 

Em contraponto, o protagonista consegue ser bastante carismático, em especial quando perde a noção do seu tamanho, o que o leva a encrencar-se. Sua bondade escancarada leva a construção de um terceiro ato pautado na união dos animais em prol de um objetivo comum, o que suaviza alguns dos deslizes cometidos até então. Ao final, mostra-se gracioso e inteligente ao conceder um novo significado simbólico às flores tão adoradas por Ferdinando.

 

As oscilações narrativas do longa de Saldanha afastam-no do panteão das grandes animações, que encantam adultos e crianças com diferentes camadas de apreciação. Ainda assim, demonstra eficiência na caracterização do seu protagonista e deve conquistar o público infantil com o uso repetido de gags visuais.

 

Pôster

 

 

Ficha Técnica

Ano: 2018

Duração: 108 min

Gênero: animação, aventura, comédia

Diretor: Carlos Saldanha

Elenco: Maisa Silva, Thalita Carauta, Otaviano Costa

 

Trailer:

 

 

Imagens:

Avaliação do Filme

Veja Também:

Rivais

Por Luciana Ramos Aos 31 anos, Art Donaldson (Mike Faist) está no topo: além de ter vencido campeonatos importantes, estampa...

LEIA MAIS

Guerra Civil

Por Luciana Ramos   No fascinante e incômodo “Guerra Civil”, Alex Garland compõe uma distopia bastante palpável, delineada nos extremos...

LEIA MAIS

A Paixão Segundo G.H.

Por Luciana Ramos   Publicado em 1964, “A Paixão Segundo G.H.” foi há muito considerado um livro inadaptável, dado o...

LEIA MAIS