Por Luciana Ramos
Enquanto aguarda para deixar a filha na sala de aula, Laura (Rashida Jones) é submetida a uma imensidão de detalhes íntimos de uma outra mãe (Jenny Slate), que a vê como a melhor ouvinte para as suas neuras. O olhar distante de Laura, permeado por “hums” e sucintos “estou atrasada” revelam não só o enfado com aquela situação, mas com sua própria vida.
Escritora de sucesso, ela vive um período de estagnação desde que teve a segunda filha. Sua rotina de repente se transformou em uma série de protocolos parentais que proporcionam pouco espaço para a criação – em geral, quando ela tem a oportunidade para se sentar, está tão exausta que não consegue pensar.
A sua frustração é ressaltada pelo comportamento do marido, que usa o acúmulo do trabalho para se manter distante. Sentindo estar perdendo a conexão com ele, a protagonista tampouco se sente à vontade entre seus colegas, em especial com a elegante e simpática Fiona (Jessica Henwick), que está sempre ao lado de Dean (Marlon Wayans). A invasão de sentimentos desconfortáveis toma proporções ainda maiores quando ela encontra uma necessaire suspeita na mala do marido.
Ela decide, então, ligar para a melhor (ou pior?) pessoa para ajudá-la: seu pai (Bill Murray), que coleciona romances e o irritante hábito de dar em cima de todas as mulheres com quem cruza (literalmente todas). Felix interpreta o contato como um chamado para a aventura, bolando espreitas noturnas (no carro mais chamativo possível), pesquisas sobre hospedagens, investigações no celular de Dean e até uma viagem de última hora.
A sua convicção da culpa do genro é interpretada por Laura de maneira dúbia – ela não sabe se o pai acha isso por ele ser misógino e adepto a traições ou se, exatamente por isso, consegue reconhecer um similar – mas a verdade é que a sua aparição a salva do marasmo que se tornou sua vida.
Embora mais simples e despretensioso que trabalhos anteriores, “On the Rocks” segue uma temática já abordada por Sofia Coppola, a solidão, com um pequeno twist. Se em “Maria Antonieta” e “Encontros e Desencontros” o sentimento é potencializado pela estranheza e inadequação inicial ao ambiente, e em “Virgens Suicidas” é a expressão da rigidez familiar, que impede as adolescentes do filme em sentirem que possuem um lar, no seu novo filme a solidão é sentida no conforto de uma vida escolhida pela protagonista. Laura fez todas aquelas escolhas, tomou cada decisão de maneira pensada e, portanto, deveria estar satisfeita, mas, ainda assim, se vê afundada pela rotina e suas obrigações e, embora ame muito suas filhas, não sabe lidar com o universo que criou.
É uma abordagem nova, interessantíssima e, ainda que tratada de forma leve, bastante pungente. A contraposição entre a melancolia latente e a divertida aventura regada a bebidas de bares torna toda a experiência fílmica bastante recompensadora, capaz de apaziguar algumas falhas de roteiro, em especial a contradição do final com os argumentos construídos durante o resto da narrativa.
O filme ainda conta com o senso de humor e charme de Rashida Jones e Bill Murray. A harmonia entre os dois é visível e ajuda a tornar “On the Rocks” uma ótima mistura entre escapismo e reflexão.
Ficha Técnica
Ano: 2020
Duração: 96 min
Gênero: comédia, drama, aventura
Direção: Sofia Coppola
Elenco: Bill Murray, Rashida Jones, Marlon Wayans, Jenny Slate