Por Luciana Ramos

“Há poucas coisas mais heroicas no mundo do que ser pai”, diz a sabia e ranzinza Edna Moda quando um aflito e exausto Roberto Pêra a visita com o bebê Zezé. Esta fala, destinada a acalmar um pai que busca entender os recém-adquiridos poderes do filho, resume bem “Os Incríveis 2”: moldado a partir do universo de super-heróis, o filme aborda metaforicamente a dificuldade de conciliar proezas e prazer às responsabilidades exigidas pela vida adulta.

No primeiro filme, lançado em 2004, a Mulher-Elástica (voz de Holly Hunter) e o Sr. Incrível (voz de Craig T. Nelson) viam-se sufocados pela chatice de um dia-a-dia desprovido da ação de neutralizar vilões. Sem o equilíbrio da aventura – acompanhada da capacidade de improvisação e de enfrentar riscos – uma vida rotineira, repleta de obrigações torna-se quase insuportável, algo demonstrado pela negação dele em participar mais da dinâmica familiar e dela em, consequentemente, assumir todo o peso de ser a pessoa responsável.

 

 

Dessa forma, seus poderes são reflexos das suas personalidades, algo explorado pelo roteirista e diretor Brad Bird com os contornos suaves que tornam as produções da Pixar palatáveis às crianças e mais significativas aos adultos que as acompanham. Catorze anos após o lançamento do primeiro longa, Bird retoma as suas funções para aprofundar sua análise a partir da inversão da dinâmica do casal.

A trama de “Os Incríveis 2” sequencia os eventos descritos no longa anterior: mesmo tendo combatido publicamente uma ameaça à Nova York, Sr Incrível, Flecha (voz de Hulk Milner), Garota Invisível (voz e Sarah Vowell) e Mulher-Elástica, assim como seu amigo Gelado (voz de Samuel L. Jackson), permanecem impedidos legalmente de exercerem suas funções de super-heróis. Porém, o espetáculo visual leva um casal empolgado de irmãos, Winston (Bob Odenkirk) e Evelyn (Catherine Keener), a procurarem a família Pêra com uma ousada oferta, a de usarem o trabalho constante e eficiente da matriarca como forma de conscientizar a população dos benefícios de tê-los trabalhando novamente para o Governo combatendo o crime.

Assim, ela deixa seus filhos e marido temporariamente para assumir suas funções, o que faz com o receio constante de que, sem sua presença, tudo sucumba. Beto, por sua vez, entendendo a importância do projeto, finalmente dedica-se a tarefa de criar os filhos, auxiliando-os com a rotina, além de cuidar da nova casa. Obviamente, seu desempenho nem sempre é o melhor, em especial quando ele tem que lidar com os diversos – e loucos – novos poderes de Zezé.

Conciliando bem as passagens de ação (dinâmicas e empolgantes) com os conflitos cotidianos, o filme paulatinamente constrói a narrativa até o clímax, um tanto clichê pela previsibilidade. Este, no entanto, não é elemento principal do filme, visto que sua argumentação se constrói, na verdade, nas entrelinhas do contraponto entre as experiências de marido e mulher.

 

 

Acompanhando Beto, tem-se uma visão real das dificuldades da paternidade, seja na infalível exaustão, seja no peso dos pais de guiarem seus filhos da melhor maneira possível. Seu aprendizado gradual e sofrido é balanceado pela forma com que Helena finalmente se reconcilia com seu lado aventureiro (algo que ela foi imposta a negar no primeiro longa). Dessa forma, o filme argumenta que o melhor jeito de experimentar a vida adulta está no equilíbrio entre uma vida realista, repleta de concessões e obrigações, a uma existência que não deixe de buscar os sonhos e desejos e, quem sabe, realizá-los.

Essa exploração do tema é revestida por uma roupagem divertida, que apresenta seu melhor nas passagens em que explora a potencialidade destrutiva de um “inofensivo” bebê. Ao trabalho narrativo soma-se um visual dinâmico apelativo, que trabalha luz e sombra de forma subjetiva sem abandonar as referências estéticas das linhas angulosas típicas de animações dos anos 60.

Aprofundado, relevante e, ao mesmo tempo, extremamente divertido, “Os Incríveis 2” apresenta um avanço a sua fórmula original, permanecendo apelativo tanto ao público infantil quanto ao adulto.

 

Pôster

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Técnica

 

Ano: 2018

Duração: 118 min

Gênero: animação, aventura, ação

Direção: Brad Bird

Elenco: Craig T. Nelson, Catherine Keener, Holly Hunter, Samuel L. Jackson, Bob Odenkirk

 

 

Trailer:

 

 

Imagens:

Avaliação do Filme

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