Por Luciana Ramos

O caminho para a globalização levou a uma certa pausterização de todos os elementos, inclusive da arte. Estéticas padronizadas e tecnológicas tomaram conta, espremendo cada vez mais o artesanal. Nesse sentido, nota-se uma diminuição impactante do circo enquanto divertimento popular – com exceção do Cirque du Soleil, que se encaixa no molde citado.

Diante desta configuração, Rosemberg Cariry compõe “Os Pobres Diabos”, ao mesmo tempo uma reflexão sobre a perda de representatividade dessa arte milenar e uma homenagem à sua sobrevivência. A trama desenvolve-se no recorte de tempo em que o Gran Circo Teatro Americano monta sua lona nas proximidades de uma pequena cidade, sob protestos dos artistas, que anunciam a distância do centro como pretexto para as pessoas não comparecerem.

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A fotografia de Petrus Cariry enfatiza a beleza meio decadente dessa grande família, que reparte alimentos e desesperanças. Acompanhando a rotina dos seus personagens, o diretor mostra-se muito mais interessado em retratar o funcionamento do circo do que em usá-lo como metáfora para outras reflexões, algo mais comum no cinema. Os ensaios, os gatos que viram comida, a repartição do ovo, o leão que na verdade é uma gravação em um som velho, os furos da lona mostram ao espectador a miséria profunda. As reclamações constantes de Creuza (Sílvia Buarque), os sonhos proclamados em voz alta pelo palhaço Lazarino (Chico Diaz) revelam o desalento da falta de reconhecimento.
Em contraponto, os espetáculos, mesmo quase vazios, retratam a persistência dessa arte, feita essencialmente por amor a sua forma, cuja importância é ressaltada pela câmera que acompanha as desventuras de uma encenação envolvendo cangaceiros e o diabo, bem característico dos cordéis. O seu encanto é ainda traduzido nas reações do eletricista Nicolau e seu filho, que visitam o circo dia após dia.

 

Embora pertinente e cativante, “Os Pobres Diabos” sofre com a irregularidade do seu roteiro, em especial com os diálogos demasiadamente expositivos, que suprimem a oportunidade de tratar o tema com a profundidade desejada. Situações como o triângulo amoroso estabelecido entre Creuza, Zeferino (Gero Camilo) e Lazarino são interessantes ao começo por trazerem um tom cômico, mas terminam cansando pelas inumeras repetições, que não fecham a questão. Ademais, pequenos indícios da homossexualidade de Arnaldo (Everaldo Pontes) são descartáveis por não serem desenvolvidos o suficiente para adicionar algo a trama.

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O longa redime-se parcialmente ao final por abraçar com mais força o tom pessimista, potencializando dessa maneira a falta de perspectiva daquelas pessoas. No entanto, na visão de Rosemberg, mesmo na miséria extrema ainda cabe uma pitada de esperança para aqueles artistas, presente na sobrevivência mediante condições tão insalubres.

Mesmo com problemas estruturais que distraem o espectador do tema, “Os Pobres Diabos” mostra-se interessante pela composição do panorama de uma arte artesanal que persiste em meio à perda de seu apelo. É um retrato do valor daqueles personagens, mambembes que percorrem o Brasil em busca de aplausos, que vestem suas fantasias todos os dias para apresentarem-se debaixo de uma lona de circo.

 

 

Pôster:

 

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Ficha Técnica
Ano: 2013
Duração: 98 min
Nacionalidade: Brasil
Gênero: drama
Elenco: Sílvia Buarque, Chico Diaz, Gero Camilo
Diretor: Rosemberg Cariry

 

Trailer:

 

 

 

Imagens:

Avaliação do Filme

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