Por Luciana Ramos

 

Usando a base temática da Marvel, Ryan Coogler transforma “Pantera Negra” em um instrumento de discussão racial, atrelando maior substância a trama do super-herói. Os debates sobre raízes e responsabilidade são feitos sob um manto de respeito às tradições africanas, enaltecidos pela qualidade técnica característica dos filmes da franquia, que oferece ao seu público cativo o espetáculo visual a que estão acostumados.

 

A trama passa-se imediatamente após os eventos de “Capitão América: Guerra Civil”, lidando com as consequências da morte prematura de T’Chaka (John Kani) e consequente coroação de T’Challa (Chadwick Boseman) como soberano de Wakanda. A transição ocorre em oposição ao esperado, com o aparecimento de outros personagens que desafiam a capacidade do herói de liderar seu povo de maneira justa o que, por sua vez, põe a segurança do país em risco.

 

 

Em seu terceiro filme, sendo seu maior empreendimento cinematográfico até o momento, Coogler segue a cartilha narrativa proposta, incluindo a apresentação de dois vilões em diferentes patamares, além de sequências que demonstram as habilidades do Pantera Negra com dinamismo e pitadas de humor. Porém, o roteiro assinado por ele e Joe Robert Cole levam a produção a outro nível de apreciação, através da multilateralidade com que debatem raça.

 

Primeiramente, há a elevação dos costumes africanos, pontuados através das duas principais cenas de batalhas, que ocorrem segundo ditames seculares, testemunhados por toda a tribo. O uso de máscaras e outros artefatos tradicionais da cultura afirmam a sua importância na construção da humanidade e, por meio da sua valorização em um filme de tão grande escala, constrói-se um símbolo da representatividade do povo negro.

 

Esta não se resume a maniqueísmos superficiais: “Pantera Negra” trabalha o conceito de justiça social através da escolha do seu vilão, Erik Killmonger (Michael B. Jordan), e consequentemente aborda a responsabilidade de um povo em garantir condições apropriadas de desenvolvimento aos seu similares. Pode-se afirmar que essa escolha, por sua vez, transcenda a raça, já que dialoga com a crise humanitária vivida em diferentes países da atualidade, fornecendo material para reflexão sobre a conduta humana diante desse cenário.

 

O tom mais sério da produção não entra em conflito com a sua apreciação enquanto obra “pipoca”, denominador comum dos filmes da Marvel. As cenas de luta estão presentes e muito bem coreografadas, sendo exploradas por uma variedade de ângulos. Estas são potencializadas pela inteligente escolha narrativa de explorar a tecnologia do vibranium em diferentes funcionalidades, que tornam o longa por si só extremamente atraente.

 

 

Ademais, há a excelente concepção do design de produção, que une o futurismo ao tribalismo, confluência da condição de Wakanda. Os figurinos, por sua vez, são outro chamariz, belíssimos, originais e que cumprem a função de contar a personalidade de cada componente da trama. Outro instrumento que eleva a pulsação é a trilha sonora, que combina rap com músicas de matriz africana e torna as cenas (em especial as de ação) ainda mais impactantes.

 

Diante de um trabalho primoroso, nota-se o uso oscilante do humor neste filme. Inicialmente, o alívio cômico (muito executado pela irmã do protagonista) soa forçado, como um requisito a ser cumprido. A partir do segundo ato, no entanto, ele adquire a fluidez necessária, sendo inserido pontualmente em passagens essenciais. Ainda assim, destoa da força cômica de outras produções da Marvel – o que, em geral, não representa um decréscimo qualitativo, apenas uma diferença.

 

Com uma trama que se aprofunda no seu tema, tecendo diversos pontos de reflexão, “Pantera Negra” representa um novo patamar de filmes de super-heróis, demonstrando que a qualidade técnica pode ser aliada de uma narrativa aguçada, contundente, que abra caminho para debates e, assim, construa novas obras que são representativas e, ao mesmo tempo, palatáveis.

 

Pôster

 

Ficha Técnica

Ano: 2018

Duração: 134 min

Gênero: ação, aventura, ficção científica

Diretor: Ryan Coogler

Elenco: Chadwick Boseman, Angela Basset, Lupita Nyong’o, Michael B. Jordan, Danai Gurira, Daniel Kaluuya

 

 

Trailer:

 

 

 

Imagens:

Avaliação do Filme

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