Por Bruno Tavares

 

O processo de transição que marca o início da vida adulta pode ser desafiador em diversos aspectos. Em geral, essa fase envolve mudanças que acontecem de forma rápida, emoções intensas e uma crescente carga de novas responsabilidades. Nesse período, é comum que os jovens ampliem seus horizontes ao mudarem de cidade ou de casa e aumentem seu círculo de amizades devido à faculdade. “Paris 8”, novo filme do diretor e roteirista Jean-Paul Civeyrac, aborda justamente este momento e traz reflexões importantes sobre as transições que ocorrem ao longo desta jornada.

A produção acompanha Etienne (Andranic Manet), que se muda de Lyon para estudar cinema em Paris, na faculdade homônima ao título do filme. Ele deixa para trás seus pais e Lucie (Diane Rouxel), sua namorada. Ao chegar na capital, o rapaz passa a dividir apartamento com Valentina (Jenna Thiam) e, após alguns meses de aula, torna-se amigo de Jean-Noel (Gonzague Van Bervesseles) e Mathias (Corentin Fila). Posteriormente, sua colega de quarto se muda e Annabelle (Sophie Verbeeck) passa a morar com ele. Junto com seus novos camaradas, Etienne descobre toda a cultura e a vida noturna que a cidade-luz tem a oferecer e, aos poucos, vai se tornando uma nova pessoa.

Com uma trama minimalista, focada nos conflitos internos dos personagens, o longa transcorre de maneira lenta, porém constante. Um de seus maiores méritos é a construção dos relacionamentos entre os jovens, que acontece de maneira intrincada e recheada de conexões. Logo no início, acompanhamos a chegada do protagonista sonhador à cidade e seu deslumbramento com as possibilidades oferecidas pela metrópole. À medida em que vive novas experiências, o jovem exacerba tanto qualidades quanto defeitos. Entre as características marcantes está seu egoísmo, que é destacado mais de uma vez. Etienne não liga para os sentimentos de ninguém à sua volta, exceto os seus, e por conta disso acaba machucando pessoas queridas.

A única exceção a esta regra está em seu relacionamento com Mathias. Mesmo antes de conhecê-lo, o rapaz o tem em grande estima. Por ser dono de conceitos fortes sobre cinema e não ter medo de tecer elogios ou críticas aos colegas de faculdade, Mathias divide opiniões que variam entre a admiração e o ódio. Ele exerce uma estranha influência sobre o protagonista, uma vez que sua palavra é lei e suas ideias são as únicas que importam. Uma das interpretações possíveis para tal comportamento é a de que Mathias representa tudo aquilo que Etienne sempre sonhou em ser: ele é seguro de si, decidido e erudito e uma crítica sua pode fazer com que o amigo apague um trabalho ao qual vem se dedicando há meses; já uma palavra de incentivo o faz retomar projetos antigos.

 

 

Para complementar a lista de personagens complexos, temos Annabelle. A ativista e nova colega de quarto representa a voz da realidade no mundo de sonhos e filmes em que os estudantes vivem. Ela e Mathias têm uma discussão acalorada certa noite, que acaba sendo o início em um romance tórrido. Como uma sombra, Etienne também se apaixona pela garota, mas faz todos os movimentos errados e acaba comprometendo sua relação com ela. À medida em que o filme avança, ele segue destruindo amizades com outras pessoas e se colocando de maneira proposital em um mar de melancolia.

Separado em capítulos, o longa possui diversos aspectos que reforçam esse sentimento de desânimo. Os títulos dos episódios já indicam essa desilusão pungente: “Um iluminado”, “Uma filha do fogo”, “O sol negro da melancolia”. Estes termos apontam a questão central que será abordada em cada parte. O primeiro diz respeito a Mathias, o segundo à Anabelle e o terceiro ao desejo autodestrutivo de Etienne. Visualmente a produção também é sorumbática. Rodado todo em preto e branco, “Paris 8” calibra bem o contrates entre as duas cores para reforçar não só a apatia que recai sobre os jovens, assim como seus dilemas interiores.

Por ter uma composição narrativa mais simples, diversos aspectos necessários para a elaboração clássica de uma história aparecem aqui reduzidos ou mutilados. Dessa forma, é possível que o longa cause alguma estranheza para um público acostumado com o cinema padrão de Hollywood. Muitas das cenas não geram mudanças significativas na vida dos personagens e, por vezes, se assemelham mais a um apanhado de fatos episódicos. Soma-se a isso o fato de o protagonista ser extremamente passivo, mais voltado para suas particularidades internas do que os dilemas do mundo à sua volta. Para completar, o final aberto deixa a cargo do espectador e do seu pensamento pós-filme o destino daqueles personagens.

 

 

 

Diante de tantas camadas, “Paris 8” mostra-se ainda uma homenagem à cinefilia. Por ter como plano de fundo a vida dos estudantes de cinema, o longa enaltece diversos diretores e seus pensamentos contemporâneos de produção fílmica. É belo observar a delicadeza com que Civeyrac conduz a cena em que os alunos assistem a um filme russo. No rosto de cada um é possível ver expressões diferentes, reforçando a teoria de que cada pessoa assiste e compreende as projeções de maneiras distintas. O roteiro  exalta a sétima arte principalmente na figura de Mathias, que pronuncia frases emblemáticas como “O cinema é uma cerimônia mágica que te ajuda a entender o mundo”.

Como uma última análise, vale destacar que, apesar de se passar em Paris, a cidade que vemos em tela nada tem a ver com a capital francesa tão exaltada em outros filmes. A cidade-luz é vista aqui pelo olhar de seus habitantes, sem nenhum enquadramento dedicado aos conhecidos pontos turísticos. Em paralelo, é interessante observar que nenhum parisiense real aparece em tela. Todos os personagens vieram do interior para tentar a vida na capital. Por conta disso, a cidade se mostra acolhedora, mas também fria e dura ao provar que sua realidade é bem diferente dos sonhos juvenis. Para aqueles que procuram um filme introspectivo, fora do eixo e sobre o processo de amadurecimento, esta é uma escolha ideal.

 

Pôster:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Técnica:

 

Ano: 2018

Duração: 137 min

Gênero: Drama

Diretor: Jean-Paul Civeyrac

Elenco: Andranic Manet, Jenna Thiam, Diane Rouxel, Gonzague Van Bervesseles, Corentin Fila, Sophie Verbeeck

 

Trailer

 

 

 

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