Por Luciana Ramos
Paterson (Adam Driver) é um motorista de ônibus que carrega o mesmo nome da cidade em que vive. Introspectivo e gentil, é um agente passivo da vida, sempre testemunhando-a em plena forma nos comentários que ouve enquanto conduz os passageiros ao destino final.
As ações dramáticas ocorrem majoritariamente ao seu redor, a exemplo das brigas de bar que presencia. A vida parece passar-lhe diante dos olhos e é absorvida e transformada em palavras, por meio da poesia. Esta configura-se como seu único meio de expressão pessoal, onde despeja percepções e anseios sem pudor.
Paterson não é o único a usar a arte como ferramenta de questionamento e reflexão: a todo momento depara-se com talentos escondidos, como um homem que usa o espaço vazio da lavanderia para compor um rap. Cada um deles, no entanto, incluindo o próprio protagonista, é engolido pelo cotidiano e assim deverá permanecer para sempre.
Sua capacidade criativa, no entanto, não passa totalmente despercebida: sua mulher (Golshifteh Farahani) insiste no valor das suas poesias e as deseja ver públicas. O caráter abnegado de Paterson, acomodado a sua condição, o impede de demonstrações de ousadia: afinal de contas, a arte, para ele, é uma necessidade emocional, não uma atividade comercial.
Seu contraponto é exatamente a figura de sua mulher, que não se intimida diante da exposição. A cada dia, deseja algo novo ou pensa em uma nova carreira. Mudando tapetes, cortinas, vestidos, cupcakes, ela anseia pelo reconhecimento do mundo através da consolidação da sua veia artística. Esta, no entanto, é retratada como precária, perdida no exotismo das estampas em preto e branco – a ausência de cor é intencional.
Em um jogo narrativo que descarta conflitos externos e grandes acontecimentos, “Paterson” constrói sua temática a partir da rotina, explanada no período de uma semana. A cada dia são mostrados mais detalhes que ajudam a compor o entendimento do todo. Ao final, porém, permite-se arriscar um pouco mais no viés dramático e, por meio desse, muda seu tom para algo mais otimista, esperançoso.
Fora do esperado, o filme revela-se imponente nas sutilezas, poético na abordagem. Libertando-se de convenções, Jim Jarmusch permite-se trabalhar camadas simbólicas e reflexões sobre a vida de um homem aparentemente comum. Da rotina, é extraída a poesia; dos detalhes, das conversas entrecortadas, a beleza do cotidiano.
*Essa crítica faz parte da cobertura da 40ª Mostra Internacional de Cinema São Paulo
Ficha técnica
Ano: 2016
Duração: 118 min
Nacionalidade: EUA
Gênero: drama, comédia, romance
Elenco: Adam Driver, Golshifteh Farahani
Diretor: Jim Jarmusch
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