Por Luciana Ramos

 

“Eles violaram a Convenção de Genebra, mentiram para o Congresso e o público. Eles sabiam que não podíamos vencer, mas mesmo assim mandaram nossos rapazes para morrer”. A fala de Daniel Ellsberg (Matthew Rhys), emitida em um dos pontos cruciais da trama de “The Post: A Guerra Secreta”, resume bem o escândalo retratado em seu contexto histórico.

 

Diante do acesso a relatórios detalhados sobre trinta anos de envolvimento americano no Vietnã, o The Washington Post teve que optar por um caminho. De um lado, havia a pressão do Governo Nixon e as possíveis consequências financeiras e jurídicas cabíveis ao jornal. Do outro, pendia a premissa jornalística de transmitir notícias com integridade, satisfazendo os parâmetros da verdade e, no seu exercício, da liberdade de imprensa.

 

 

Como um pêndulo, a trama apresenta e reitera cada lado do conflito que vive Kay Graham (Meryl Streep), dona do jornal, que ainda luta por assumir o protagonismo da sua posição. Tendo cultivado boas relações políticas ao longo da vida, se viu à frente da empresa do seu pai após a morte do marido e reflete no comportamento vacilante a falta de fé que os homens ao seu redor possuem nela.

 

Em complemento, detalham-se as estratégias de investigação jornalística, acesso a fontes e materiais e consequente determinação inviolável de publicar os artigos, característica sintetizada em Ben Bradlee (Tom Hanks), que se dispõe a enfrentar as negativas de todos em prol do que acredita ser sua obrigação moral – além do óbvio interesse profissional em jogo.

 

Construindo uma narrativa ascendente centrada na tensão, Steven Spielberg tece mais um dos seus filmes de cunho histórico, pautado na racionalidade argumentativa. Porém, ao contrário do insosso e verborrágico “Ponte de Espiões”, nota-se na sua nova obra a preocupação em oferecer ritmo à história, tanto por meio das constantes reviravoltas como das pequenas e reiteradas interrupções de falas, criando um jogo dinâmico de interação entre as personagens.

 

Sua câmera altamente explicativa, uma das marcas registradas, aparece logo nos primeiros momentos do filme, mostrando-se essencial na contextualização de um tema complexo e alongado, que contou com a participação de diversas pessoas para sua conclusão. O esmero estético encontra complemento perfeito na narrativa, que sabe quando apresentar novos elementos conflituosos e quando os diluir: as pequenas inserções cômicas que são feitas ao longo do filme (como a venda de limonadas em um momento importante) demonstram inteligência e imenso controle, culminando no nível correto de manipulação a fim de obter o maior engajamento do público.

 

 

O roteiro é representado à perfeição por um elenco estelar, bem entrosado, que sabe inserir com naturalidade as já citadas interferências de diálogo e pequenas peculiaridades que fornecem substância a suas personagens. A combinação de talento e tempo de tela proporcionam maior destaque a Meryl Streep e Tom Hanks. Ela oferece uma performance detalhada, com atenção a gestos que dizem mais que Kay deseja; dos seus vacilos iniciais à força e determinação de seguir os preceitos da empresa que fez parte de toda a sua vida.

 

Já Hanks, brilha com uma atuação energética, impulsiva e comprometida, que luta a cada instante para trazer a verdade à tona. Seu trabalho, bastante subestimado pelos círculos de premiações norte-americanas, demonstra imensa habilidade técnica de extrair o melhor do roteiro, deixando evidente a sua qualidade como ator.

 

Passado nos anos 70, “The Post: A Guerra Secreta” reconta os detalhes históricos da descoberta de sistemáticas mentiras sobre a participação americana no Vietnã, envoltas em propagandas manipuladoras que advogavam como certeira a vitória do país na guerra que criou. Por meio de um conflito que envolve o compromisso ético do jornalismo, Spielberg constrói uma dura crítica ao novo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que reiteradas vezes dispensa e desqualifica a imprensa, pondo em risco a posição fundamental garantida pela Constituição de liberdade à imprensa. Assim, mais que uma revisitação histórica, o filme é também o espectro de uma luta em curso.

 

Como complemento ao longa-metragem, deixamos a indicação de “Todos os Homens do Presidente”, que aborda o escândalo do Watergate, apenas indicado ao final. No pilar da trama, estão mais uma vez o Governo Nixon e o The Washington Post.

 

Pôster

 

 

 

Ficha Técnica

 

Ano: 2018

Duração: 116 min

Gênero: biografia, drama, suspense

Diretor: Steven Spielberg

Elenco: Meryl Streep, Tom Hanks, Michael Stuhlbarg, Sarah Paulson, Bob Odenkirk, Carrie Coon, Bradley Withford, Matthew Rhys

 

 

Trailer:

 

 

 

Imagens:

 

Avaliação do Filme

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