Por Luciana Ramos

 

Evelyn Wang (Michelle Yeoh) é a dona de uma lavanderia que se vê atropelada pelas inúmeras tarefas do dia a dia: ela precisa coordenar o local de trabalho, atender as solicitações dos clientes, recolher a papelada do imposto fiscal, lidar com a irritante amabilidade do seu marido e sócio, Waymond (Ke Huy Quan), fazer sala para o pai (James Hong), visitante da China, e ouvir os questionamentos da filha Joy (Stephanie Hsu) sobre o modo ríspido com que a trata. O acúmulo de situações, papéis e roupas parecem lhe lembrar de tudo que a sua vida não foi, mas ela não tem tempo para respirar; só precisa cumprir as tarefas.

Sentada na cadeira de uma organização pública estéril e burocrática, ao som de uma auditora (Jamie Lee Curtis) pouco simpática à sua situação, Evelyn é surpreendida por uma versão diferente do seu marido, que exige a sua participação em uma viagem alucinante pelo multiverso para combater a agente do caos que propõe dar um fim na existência humana, conhecida como Jobu Tupaki. Essa revelação lhe torna alvo dos discípulos da temida inimiga e impõe sobre ela a adesão rápida às instruções da versão de Wayomnd do Alphaverso para salvar a própria pele.

Seu acesso irrestrito a outras Evelyns – todas aparentemente mais bem-sucedidas, seja profissional ou pessoalmente – instiga uma chama interior na protagonista, que finalmente enxerga mais cor no seu universo mundano. Capaz de se apropriar de habilidades das suas outras versões, ela primeiro luta fisicamente pela sobrevivência para, em seguida, refletir sobre o significado de tudo: das estruturas arquitetônicas e simbólicas do seu mundo, a humanidade em suas possíveis configurações, o valor de sua vivência individual e necessidade de mudança do seu comportamento para reestabelecer uma conexão com a filha.

Entre cortes rápidos, sobreposições, lutas, comentários filosóficos e situações absolutamente esdrúxulas, “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” é exatamente o que se apresenta, uma miríade de criatividade e loucura costurada com sequências cativantes. É um filme que apresenta um conceito surrealista e o redobra a cada chance, desafiando a suspensão de descrença do espectador. Ao aceitar o desafio, este se vê recompensado pelo frescor de apreciar uma obra realmente inovadora e criativa – um tesouro em época de tanto marasmo, reciclagem e reprodução. Há, ocasionalmente, o choque do ridículo – na forma de uma rosquinha gigante, mãos de cachorro-quente ou um guaxinim – mas esse é contraposto com uma dose acentuada de humanidade através da adoção radical de conceitos como gentileza e aceitação do ser humano em todas as suas formas e imperfeições.

Curiosamente, o longa foi lançado nos Estados Unidos na mesma época de “Doutor Estranho”, que tenta brincar com o conceito de multiverso, mas não sabe o que fazer com ele. Sem o mesmo orçamento (nem de longe), a produção da dupla criativa Daniels (Dan Kwan e Daniel Scheinert) abusa de ferramentas capazes de criar a ilusão fílmica requerida. O investimento em efeitos práticos e soluções engenhosas se traduz em uma riqueza estética realmente impressionante, embalada com uma edição que sabe favorecer o melhor de cada sequência. É ainda mais impressionante saber que apenas cinco profissionais foram os responsáveis pelos 500 planos com efeitos especiais, certamente um atestado de que o cinema não se faz só com dinheiro: a criatividade é imperativa.

O balé coreográfico das cenas de luta também impressiona, e muito se vale do conhecimento de Yeoh e Quan sobre a arte do kung fu. Aliás, os Daniels resolveram homenagear a tradição desse gênero e apostaram em enquadramentos mais abertos (ou que expandem de um close para uma configuração mais ampla) a fim de privilegiar os movimentos de combate, filmando-os com o mínimo de cortes possível.

Além de emprestarem suas habilidades, os atores principais oferecem ricas interpretações, alternando diálogos cômicos e dramáticos com igual intensidade, revelada por ambos através do olhar (e explorada pelos já citados intensos closes). É uma alegria rever Ke Huy Quan, conhecido por trabalhos como “Os Goonies” e “Indiana Jones e o Templo da Perdição”, depois de vinte anos de hiato. O seu Waymond foi moldado pela gentileza e uma positividade que desafia sua própria realidade, atuando como compasso moral do longa. Já Yeoh reforça toda a sua versatilidade como atriz em um papel que exige muito, tanto física quanto emocionalmente. A credibilidade que proporciona ao papel é crucial para que o público compre a aventura proposta, e a sagacidade com que transita entre diferentes camadas de interpretação é realmente notável.

Absurdo e subversivo, extremamente bobo e, ao mesmo tempo, edificante, “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” não é um filme para todos os gostos, mas adequa-se bem aos entusiastas de cinema que andam um pouco cansados de assistir mais do mesmo.

Ficha Técnica

Ano: 2022

Duração: 2h 19 min

Gênero: ação, aventura, comédia

Direção: Daniels

Elenco: Michelle Yeoh, Ke Huy Quan, Stephanie Hsu, Jamie Lee Curtis, James Hong

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