Por Luciana Ramos
Em uma comunidade pacata, trailers simples são ligados por pequenas ruas. Os moradores caminham despreocupadamente, com a garantia que serão assistidos pelos vizinhos caso precisem.
Seria este o ideal americano retratado na tela de cinema, não fosse por um detalhe: todos os 120 moradores de Florida Justice Transitions são criminosos sexuais condenados e devem, por decreto de lei, viver afastados de qualquer contato com crianças.
A comunidade, criada pela mãe de um deles, tem como intuito fornecer-lhes abrigo e proteção contra o mundo exterior, os poupando de possíveis retaliações e perseguições.
A câmera em constante movimento acompanha o dia-a-dia dessas pessoas, mostrando-os em atividades corriqueiras e apresentando aos poucos as suas vidas. A essas imagens são intercalados depoimentos onde cada um expõe sua formação, feridas, motivações para os crimes cometidos e, finalmente, relatos do que fizeram.
A ideia dos diretores é desestigmatizá-los, retratando-os como pessoas que cometeram erros (às vezes um, segundo eles) cujas implicações perdurarão pelo resto de suas vidas.
Tal recorte acaba, de certo modo, vitimizando os malfeitores, na medida em que os próprios enquadram as suas ações como inevitáveis desdobramentos de algum trauma passado.
Porém, na medida em que os depoimentos completam-se e oferecem um panorama maior dos eventos que levaram cada um deles a viver naquele lugar, a culpa e responsabilidade pelo mal cometido finalmente aparecem.
Nesse momento, a força do documentário finalmente revela-se: o espectador é forçado a somar a imagem pacata e cordial dos entrevistados aos relatos muitas vezes repulsivos de seus crimes, forçando-se a refletir sobre a capacidade que cada ser humano tem de machucar o outro e provocar danos irreparáveis na sua vida.
Um relato em especial, bastante chocante, mostra um ciclo interminável de abuso e carência da formação de laços familiares positivos: uma mulher recobra os abusos sofridos pelo seu pai durante anos (inclusive na vida adulta) para então contar a razão da sua convicção, o estupro do seu próprio filho.
Apesar do teor contundente dos depoimentos apresentados, “Pervert Park” possui uma agenda positiva. Através de uma exposição mais humanizada dos criminosos sexuais, rechaçados pela sociedade, propõe a terapia e a reflexão como chaves de mudança. Alega, nos seus minutos finais, que a taxa de reincidência dos habitantes de Florida Justice Transitions, inferior a um por cento, é consequência direta do trabalho desenvolvido nessa comunidade e que, portanto, iniciativas similares deveriam ser aplicadas mais amplamente no resto dos Estados Unidos.
Com seu argumento final, “Pervert Park” afirma o valor de sua existência pela proposição de um debate mais amplo. No entanto, abusa em alguns momentos da vitimização de seus “personagens” para fazê-lo, escolha bastante nociva dada a gravidade dos crimes por eles cometidos.
Ano: 2014
Duração: 77 min
Nacionalidade: EUA
Gênero: documentário
Diretor: Frida Barkfors, Lasse Barkfors
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