Por Luciana Ramos
O universo circense mostra-se extremamente atraente para os cineastas. Do pequeno documentário “Pagliacci” a “O Maior Espetáculo da Terra”, foram muitas as obras que tentaram desvendar seu universo, seu lirismo, o suor do artista impresso na apresentação das suas habilidades acima da média, capazes de impressionar e emocionar o “respeitável público”.
O novo filme de Cacá Diegues, uma adaptação cinematográfica de um poema de Jorge de Lima, descende desse fascínio, embalado no ambicioso projeto de retratar a vida de um circo ao longo de cinco gerações de uma família. A trama começa com o amor entre o aristocrata Fred (Rafael Lozano) e a acrobata Beatriz (Bruna Linzmeyer), que sonha em ser a atração principal de um espetáculo. Revelações familiares possibilita-o de realizar o desejo dela, e assim nasce o Grande Circo Místico, a concretização de um sonho que perderá o fascínio entre aqueles que o herdam e logo se tornará um símbolo de aprisionamento. Nenhum dos descendentes possui a mesma paixão por esta arte e, seja por submissão, senso de obrigação ou falta de oportunidades, continuam a tocar o local, observando uma diminuição gradual do número de espectadores.
O olhar do diretor volta-se muito mais para os dilemas dessas pessoas do que para uma construção narrativa de enaltecimento da atividade circense, preterindo o tom de homenagem a uma sucessão de acontecimentos folhetinescos, como casamentos, partos e mortes, uma escolha que certamente incomoda por se revelar superficial. Embora esquemáticos, Fred e Beatriz são os únicos personagens que tem de fato seus desejos e motivações fundamentados: Charlotte (Marina Provenzzano), filha do casal, não é retratada além da sua submissão ao marido; Oto (Juliano Cazarré), por sua vez, não consegue explorar sua sexualidade além do fetichismo vazio; Margarete (Mariana Ximenes) é retratada como um invólucro de traumas e suas filhas, coitadas, sequer tem identidades próprias.
Ávido na ambiciosa missão de retratar cem anos em duas horas de projeção, Diegues faz a opção infeliz de apostar em construções estereotipadas para impulsionar sua história, a exemplo do romance entre a cantora drogada dos anos 60 e o domador de leões que nutre uma paixão/obsessão por sua irmã e, por isso, veste a sua roupa ao esta ir embora. Ao chegar em Margarete, quarta geração, o roteiro ruma ao ridículo, uma trajetória sem volta.
O encanto visual tampouco é atingido. Nota-se uma preocupação da cenografia e direção de arte aos detalhes que marcam época e adicionam mais camadas de história ao local, mas o impacto é suavizado por opções formais e pouco inspiradas de enquadramentos. Quando forçosamente tenta explorar o lirismo do ambiente circense, Diegues abusa do artificialismo, presente na passagem em que Beatriz é coberta por borboletas mal feitas em CGI e levado ao máximo na sequência final envolvendo as gêmeas trapezistas, cena que infelizmente provoca embaraço.
Não obstante, o filme falha em estabelecer uma conexão temporal com algum tipo de crítica social: os acontecimentos de destaque, como a Segunda Guerra Mundial e a Ditadura, são levemente pincelados ao fundo das cenas por meio de artifícios de comunicação como o rádio ou a presença militar nas ruas onde Oto caminha. Sem a devida contextualização do país, sem ao menos refletir passagens históricas importantes nas vidas dos personagens principais, o longa mostra-se mais uma vez arbitrário e irrelevante.
Sem saber explorar suas potencialidades, “O Grande Circo Místico” permanece na superfície, afundando-se cada vez mais no absurdo de um roteiro que nada diz. Nota-se a entrega do grande elenco no material, mas a falta de substância do roteiro não os permite conceder verossimilhança a seus personagens. A exceção é Jesuíta Barbosa que, na pele do mestre de cerimônias Celaví, é o mais próximo de traduzir o encanto do circo com a humanidade que lhe transborda. Seus esforços, no entanto, são em vão.
Pôster
Ficha Técnica
Ano: 2018
Duração: 105 min
Gênero: drama
Direção: Carlos Diegues
Elenco: Jesuíta Barbosa, Vincent Cassel, Mariana Ximenes, Bruna Linzmeyer, Juliano Cazarré
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