Luciana Ramos
O homem, como animal dotado de inteligência, utilizou sem remorsos a dizimação de outras espécies para impulsionar a sua evolução social. Durante o século XIX, iluminou casas e ruas com óleo extraído da gordura das baleias, caçadas a mar aberto. Mas o que fazer quando uma dessas presas decide revidar e atacar os humanos?
Tal questionamento está presente em “No coração do mar”, adaptação cinematográfica do livro de mesmo nome, escrito por Nathaniel Phlibrick. Neste, o autor descreve a história real do naufrágio do navio baleeiro Essex, dramática jornada que inspiraria o escritor Herman Melville a escrever o clássico da literatura “Moby Dick”.
O ponto de partida da estória é exatamente a busca do jovem escritor por inspiração. Ansiando a fama reservada aos autores mais cultuados, Melville (Ben Whishaw) vai até uma humilde pousada à procura de Thomas Nickerson (Brendan Gleeson), último sobrevivente do Essex. Relutantemente, este aos poucos recobra os fatos do passado, coberto de vergonha e remorso.
“A história do Essex é, na verdade, a história do embate entre dois homens, o capitão George Pollard (Benjamin Walker) e o primeiro imediato Owen Chase (Chris Hemsworth)”, relata. A fala do velho toma vida e o filme volta ao passado para reconstituir com exatidão os acontecimentos.
Na época, navios baleeiros eram fonte de extremo lucro, repartido entre famílias com tradição no ramo. Pollard era descendente direto dessa dinastia e, por isso, mesmo com comprovada inexperiência, foi escolhido para comandar a expedição. Seu opositor direto, Chase, é delineado como um forasteiro competente, a quem os demais subordinados, incluindo o jovem Nickerson (Thomas Holland, o novo “Homem-Aranha”), em sua primeira viagem ao mar, admiram e respeitam.
A quase extinção da presa, aliada a ganância pelo lucro e arrogância de sua superioridade os levam a navegar em águas desconhecidas e perigosas, longe de qualquer pedaço de terra. Lá, deparam-se com uma majestosa baleia branca que os ataca sem piedade, destruindo o navio e deixando-os à deriva. Os tripulantes são forçados a tentarem sobreviver em alto-mar e encontrar um caminho de volta, sob o terror de novos ataques.
O diretor Ron Howard explora a relação dicotômica entre homem e natureza através de composições majestosas, abusando de panorâmicas, sempre destacando a imensidão do mar. Nas cenas de ação, intercala planos abertos com closes, feitos com uma câmera na mão, o que a torna mais orgânica e acentua a tensão. O longa ainda conta com uma excelente cenografia, cujo nível de detalhes enriquece-o visualmente.
Porém, o filme prejudica-se um pouco pelo seu didatismo, onde os planos são guias para o espectador não perder nenhum momento da trama. Da mesma forma, o seu primor visual por vezes depõe contra a experiência cinematográfica pelo seu visual plástico, comum a filmes de estúdio.
A trama também sofre com problemas de ritmo. Lenta e gradualmente, os conflitos com o inimigo direto, a baleia, aumentam, levando os personagens a tomarem atitudes extremas e desesperadas. Porém, o terceiro ato representa uma quebra nessa dinâmica, na medida em que o confronto é suavizado e mal resolvido em mais um exemplo do didatismo, agora aplicado a moral da estória. Ainda que o final faça absoluto sentido dramático, faltam cenas impactantes, um clímax que mexa com as expectativas e emoções do público.
É importante também ressaltar a qualidade da obra como veículo para Chris Hemsworth, que tenta diversificar sua persona de herói de ação nas horas vagas de Thor. São várias as cenas que enaltecem sua força física e alto senso de moral e justiça, delineamento que segue as tradições hollywoodianas. Outro destaque fica por conta da atuação de Tom Holland, que consegue imprimir credibilidade e oferecer camadas ao seu personagem, o jovem Thomas Nickerson.
“No coração do mar” é um filme náutico que oferece interessantes discussões sobre a condição humana e seus artifícios evolutivos no embate de marinheiros com a sua presa. Mesmo com eventuais problemas, o longa caminha pela regularidade, oferecendo um bom entretenimento, mas pouco marcante. Assim, dificilmente sobreviverá à seleção natural do tempo.
Ano: 2015
Duração: 121 min
Nacionalidade: EUA
Gênero: ação, aventura, biografia
Elenco: Chris Hemsworth, Cillian Murphy, Brendan Gleeson, Tom Holland
Diretor: Ron Howard
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