Por Luciana Ramos

Em 1854, o Hippolyte Rivail (Leonardo Medeiros) tomou conhecimento das “mesas girantes”, que haviam ganhado popularidade nas casas parisienses. Nelas, grupos de pessoas sentavam-se com as mãos postas para frente e, mediante perguntas, diziam se comunicar com espíritos. Este mero conceito foi tratado por Rivail com deboche e desconfiança: homem dedicado aos estudos científicos, literato e guiado pela racionalidade, ele não via provas contundentes para seu funcionamento.

Somente após a insistência do amigo Charles Bauldin (Charles Fricks), que lhe emprestou escritos compilados sobre o sobrenatural, que o professor decidiu lançar-se a uma experiência mediúnica. Impressionado com o resultado, ele então, regido pela curiosidade, decide lançar-se ao estudo do fenômeno, adotando, para isso, metodologia científica.

Esta é a jornada de “Kardec”, filme que retrata o momento decisivo da vida daquele que se tornaria o codificador do Espiritismo, Allan Kardec (nome referente a sua vida passada como druida). Baseado na biografia de Marcel Souto Maior, a obra cinematográfica condensa a abordagem intelectual do protagonista ao envolvimento emocional dele e da sua mulher, Amélie-Gabrielle (Sandra Corveloni), no mundo espiritual, o que os levam a mudarem suas percepções drasticamente. O longa ainda se propõe a traçar um paralelo óbvio entre a apresentação de uma nova doutrina e o feroz movimento conservador contrário, sempre interessado no descrédito de qualquer novidade que interfira com o status quo.

O roteiro preocupa-se em detalhar as descobertas e percepções de Kardec, sempre inserindo-o no contexto social da época, o que é positivo por seu teor explicativo – tornando a sua assimilação fácil ao público leigo – mas que decorre em um indesejado didatismo, que torna o ritmo excessivamente moroso. A força dos conflitos, de fato, só aparece nitidamente no terceiro ato, mas se vê prejudicada pela teatralidade das situações.

O artificialismo perpassa cenas-chave, como as na ponte do Rio Sena e as tentativas de linchamento público, causando incômodo por denotar certo amadorismo. Este resulta não só de uma mise-en-scène equivocada, como, de maneira mais pungente, da atuação do elenco de apoio. Infelizmente, o problema da falta de naturalidade estende-se também a personagens secundárias importantes, como as irmãs Caroline (Júlia Svaccina) e Julie (Letícia Braga), que não convencem nas sessões de psicografia (não há uma consonância nas atuações das duas) e, de maneira mais flagrante, na performance inexpressiva de Guida Vianna como Madame Plainemaison.

O que segura o filme é a força opositora do elenco principal, encabeçado por Leonardo Medeiros e Sandra Corveloni, absolutamente dedicado aos seus papéis. O maior trunfo da produção, no entanto, é a excelente direção de arte, com destaque para os figurinos e composições cenográficas, detalhistas e impactantes, que denotam o amadurecimento técnico da produção audiovisual brasileira.

Sabidamente, o diretor Wagner de Assis explora a riqueza visual ao apostar em amplas sequências externas. Esta é devidamente complementada pelo primoroso trabalho da direção de fotografia, que aposta na utilização exclusiva de focos de luz diegéticos – condizentes com a época retratada- sem cair na armadilha de tornar o filme excessivamente escuro.

Entre falhas e acertos, “Kardec” não consegue atingir um patamar notável, relegando-se ao rol de produções medianas. Ainda assim, a experiência cinematográfica vale tanto pelo primor técnico quanto pelo interessante caminho trilhado por Allan Kardec.  

Ficha Técnica

Ano: 2019

Duração: 110 min

Gênero: drama, biografia

Direção: Wagner de Assis

Elenco: Leonardo Medeiros, Sandra Corveloni, Dalton Vigh, Júlia Svaccina, Letícia Braga, Charles Fricks, Guida Vianna

Avaliação do Filme

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