Por Marina Lordelo
A síndrome do ninho vazio é um tema utilizado no cinema, sobretudo o estadunidense. Assim como a estrutura das famílias europeias, que dispensam seus filhos para a universidade distante da terra natal, mães e pais se sentem solitários frente a ausência da prole. Em “Meu Bebê”, de Lisa Azuelos, Héloise (Sandrine Kiberlain) é mãe de três jovens e precisa se despedir da caçula Jade (Thaïs Alessandrin), que é aprovada em uma universidade canadense. Ela vive então uma espécie de antecipação da saudade, filmando e acompanhando o que seriam os últimos passos da filha antes da mudança.
Para construir a relação que norteia a obra, há então uma escolha evidente da realizadora: adotar flashbacks para levar o espectador ao nascimento de Jade e pela sua infância, adotando a memória como forma de construir vínculo afetivo entre mãe e filha. Mas como a história é de Héloise, há uma tentativa de equalizar as angústias da mãe com as expectativas da adolescente, que é, justamente, um dos lugares onde o filme desliza. Neste sentido, Azuelos tem dificuldade em encontrar uma boa medida entre os atos e suas histórias, oferecendo a Jade um espaço que naturalmente cabia ser ocupado por Héloise.
A forma alcança uma dimensão poética, sobretudo nas elipses temporais – a montagem por exemplo, explora raccords afetuosos no som e nas imagens. A fotografia dos flashbacks é marcada por uma leve superexposição, há mais luz, mais janelas, a imagem se esmaece criando um look exclusivo para o tempo passado. Cria-se então uma dinâmica evidente na obra: o passado situa a vida de Héloise no sentido da maternidade, da dissolução do casamento, da sua feminilidade; já o presente revoga um pouco a protagonista como mulher e assume a sua persona quase exclusivamente materna, para reforçar e estabelecer a cumplicidade relacional que existe entre ela e a caçula.
A atuação de Sandrine Kiberlain é preciosa. Ela assume Héloise com gags interessantes, de forma modernosa e amigável – a Lorelai Gilmore francesa, colocando em uma boa medida a comédia honesta que a maternidade solo de classe média demanda (ainda mais com três filhos). “Guarde um pouco do que sobra para você mesma” – Generosa e hábil, a protagonista é também uma cuidadora gentil, de seu pai, de seus filhos, de seus amigos, mas não muito de si. Mas falta ao filme assumir, inclusive na forma, essa complexidade da figura de Héloise, que oferece tanto de si a câmera, mas não tem do roteiro uma devolutiva na mesma proporção.
Ainda que a mise-en-scène ressalte a competência da diretora em conduzir as ações (especialmente das cenas interiores), falta uma certa habilidade do roteiro em abrir mão da desinteressante história de Jade e coragem em assumir Héloise de forma mais completa. Talvez abandonar o fetiche do flashback como recurso afetivo para investir energia em um centramento do presente poderia ser um recurso que tornasse o filme maior e ainda mais afetuoso, complexo e interessante.
Essa crítica faz parte da cobertura do Festival Varilux de Cinema Francês 2019
Ficha Técnica
Ano: 2019
Duração: 87 min
Gênero: comédia, drama
Diretor: Lisa Azuelos
Elenco: Sandrine Kiberlain, Thaïs Alessandrin, Victor Belmondo
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