Por Marina Lordelo
*SEM SPOILERS*
Seguindo a receita de sucesso de “Homem-Aranha: De Volta ao Lar (2017)”, que combina a história de Stan Lee e Steve Ditko, a direção de Jon Watts e a atuação de Tom Holland, o novo “Homem-Aranha: Longe de Casa” assume a continuidade do Universo Cinematográfico Marvel (MCU). Com adições à mitologia iniciada em “Vingadores: Guerra Infinita (2018)”, o novo filme do herói da vizinhança abraça a continuidade do MCU seguindo uma premissa que flerta entre a individualidade humana de Peter Parker (Tom Holland) e a sua conexão heróica com os Vingadores.
Assim, centrado em uma narrativa tão jovem quanto a idade de um estudante do High School, Watts desenvolve uma história que estabelece vínculo com seu “novo” público, crianças e jovens que experimentam por agora o conceito de cinema criado pela Marvel, e o seu “velho” público, os jovens adultos, a partir dos 25 anos que conseguiram acompanhar os 10 anos de história seguindo o curso natural do seu tempo. Uma estratégia mercadológica engenhosa e narrativamente honesta de equalizar espectadores distintos com interesses diferentes, o longa se estabelece em dois pilares: diversão jovial e manutenção da crença.
Esse novo gênero do cinema “Filme de Super-Herói” tem sido construído a partir de uma fórmula repetida: existe um vilão que deseja poder e/ou conquistar o mundo e cabe ao herói garantir a integridade do planeta (ainda que algumas cidades sejam parcialmente destruídas). “Homem-Aranha: Longe de Casa” apresenta um primeiro ato centrado em uma narrativa um pouco distinta, Mysterio (Jake Gyllenhaal), um herói que teve seu planeta destruído, recruta a ajuda do Homem-Aranha através da S.H.I.E.L.D. para eliminar seus algozes que resolveram invadir a Terra. O conflito surge de uma espécie de Plot Twist da história que soaria como spoiler (evitados por aqui).
Alguns fatores trabalham bem para a construção do arco do filme: a atuação convincente de Tom Holland que, assim como Robert Downey Jr., passa a assumir uma persona praticamente indissociável do seu personagem (o que, futuramente, pode ser um problema de carreira); a direção de atores que busca uma jovialidade evidente nos comportamentos, mise-en-scène e linguagem; a câmera ágil, que voa com drones, que não respira em tomadas mais ativas e que contracena com o protagonista; a montagem rápida, ora picotada, ora respeitosa, que trata os anseios jovens “youtubescos” com alguma responsabilidade, mas que às vezes cria um conflito evidente com a câmera que desejava falar mais; os efeitos especiais, que se revelam à medida que a narrativa avança, não só como história, mas como cinema stricto senso, a cereja que completa o deslumbramento causado pela tecnologia cinematográfica; e o preciso, eficiente e grandioso desenho de som, que oferece música nostálgica, diegese sonora que flerta com os balões dos quadrinhos e o maravilhoso silêncio, que deixa o espectador pensar, respirar e até derramar lágrimas, tudo no seu tempo.
Há alguns percalços pelo caminho de Jon Watts, e o primeiro deles é o centramento na figura do Homem de Ferro, Tony Stark. Desde a abertura até as cenas pós-créditos, o fantasma desta presença afeta a narrativa – na motivação de Peter, na atuação da S.H.I.E.L.D. e, sobretudo, na existência de um vilão. Isso causa certo desconforto na obra em si, que não necessariamente compromete a narrativa, mas que gera cansaço em pouca inventividade da equipe de roteiristas. Há ainda o didatismo recorrente (e já até esperado) das narrativas estadunidenses, explicações verborrágicas e quase desenhadas, recheadas de flashbacks dessaturados para garantir que o público não perca nadinha (mesmo).
O que será de Peter Parker na sombra da inexistência do Homem de Ferro? Se o filme busca responder a essa pergunta para garantir continuidade na construção do MCU, pode ser que o herói da vizinhança tenha problemas para ressignificar sua identidade heróica e refazer sua narrativa, ainda que haja dor na perda da figura paterna que o Stark assumia na sua vida. Neste primeiro filme sem a participação especial de Stan Lee, há uma ponta de vigor para a nova era que marca a reabertura do Universo (ou do Multiverso) Marvel, mas há também de ser desafiador manter uma balança que dialoga com o novo e o velho público, com as amarras das narrativas do passado e com a expectativa, a bendita (ou maldita) expectativa que desde então permanece em volta da mitologia que é capaz de unir os melhores heróis (e vilões) do eterno Stan Lee.
Ficha Técnica
Ano: 2019
Duração: 129 min
Gênero: Aventura, Ação, Comédia
Diretor: Jon Watts
Elenco: Tom Holland, Samuel L. Jackson, Jake Gyllenhaal, Marisa Tomei, Jon Favreau, Zendaya
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