Por Murillo Trevisan

Midsommar, ou solstício de verão, é um feriado nacional idolatrado na Suécia e considerado uma das festas mais importantes do ano. Para eles é o primeiro dia de verão para curtir como nunca, regado a muita comilança, dança, cantoria e bebedeira. Segundo a lenda, o Midsommar é um ritual pagão para celebrar a fertilidade da natureza no dia mais poderoso do ano, quando os elementos mágicos são mais fortes. Isso significa dizer que é o exato momento em que o Sol e a Terra estão no auge de seus poderes reprodutivos.

A celebração serve como plot para, mais uma vez Ari Aster (“Hereditário”) fugir do senso comum e botar para fora toda a sua extravagância criativa, numa viagem totalmente alucinatória, sem precisar se preocupar em a tornar cabível uma vez que a realidade em que se baseia também carrega um certo misticismo.

A trama se inicia com as perdas de Dani, personagem central muito bem conduzida pela atriz Florence Pugh (“Lady Macbeth”). Carregada de convincentes lágrimas, em colaboração com os planos bem fechados da fotografia, o espectador experiencia do peso que sobrecai nos ombros da protagonista que acabara de perder os pais num evento trágico, que envolve o suicídio da própria irmã. Com isso somos convidados a vivenciar junto a ela essa dor e compreender a necessidade de uma peregrinação em busca de paz interior.

Fragilizada pelos problemas decorridos, Dani é convencida pelo namorado Christian (Jack Reunir) a viajar para a Suécia com um grupo de amigos, estudantes de antropologia, a fim de participar de um festival que celebra o solstício, organizado por uma comunidade da qual um dos amigos faz parte. Ao longo da estadia com o grupo, os dois acabam seguindo caminhos bastante distintos que revelam aos poucos os ritos, crenças e as ações daquela comunidade.

O interessante do roteiro, também desenvolvido por Aster, é o contraponto em que ele propõe apresentar – de forma propositalmente exagerada – em relação aos rituais daquela congregação. Sempre salientado a hipocrisia de uma sociedade moderna (no caso os visitantes), que por exemplo, julgam quando lhe é oferecido um chá natural para abrir a mente, mas que abusam de remédios quimicamente manipulados para ajudá-los a dormir.

Tudo no filme é construído minuciosamente. As runas futhorc (escrita anglo-saxónica usada entre os séculos VI a X) se fazem presentes não só estampadas nas paredes, mas também no conjunto arquitetônico do vilarejo. A casa dos sacrifícios em forma de pirâmide, ou a disposição em que as mesas das refeições são alinhadas (desenhando a letra rúnica que representa o Estado), cada detalhe lhe contando um pouco mais do subtexto da história.

Como o próprio subtítulo sugere, não é preciso esperar a noite para o mal acontecer. A estética se aproveita das cores saturadas da natureza juntamente ao brilho do sol, por muitas vezes estourado, para causar estranheza, elevando extraordinariamente o nível de angústia. Isso é corroborado com a desconfortável inclinação de alguns enquadramentos, chegando por vezes a virar de cabeça para baixo, indicando que o lugar onde eles estão adentrando tem valores invertidos.

Responsável por um dos filmes de terror mais comentados dos últimos anos, o cineasta norte-americano Ari Aster tornou-se, assim como Jordan Peele (de “Corra!” e “Nós”) e Robert Eggers (de “A Bruxa” e o ainda inédito no Brasil “The Lighthouse”), um dos principais nomes do pós-terror. Subvertendo o gênero que até então não era levado a sério entre festivais e premiações, o elevando à um novo patamar.

Diferentemente de “Hereditário”, “Midsommar – O Mal Não Espera a Noite” não carrega tantos sustos ou cenas amedrontadoras. Ele aposta em doses alucinógenas visuais para colocar o espectador completamente imerso naquele mundo, o tornando ainda mais fragilizado para uma intensa absorção de suas bizarrices.

Ficha Técnica

Ano: 2019

Duração: 147 min

Gênero: Drama, Horror, Mistério

Diretor: Ari Aster

Elenco: Florence Pugh, Jack Reynor, Vilhelm Blomgren, William Jackson Harper, Will Poulter, Ellora Torchia

Avaliação do Filme

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