Por Luciana Ramos

 

Beirando os trinta anos, Brittany (Jillian Bell) segue a vida despretensiosamente, unindo noites mal dormidas pós-baladas a atrasos constantes no trabalho. Ela parece bem resignada ao papel de “engraçada” da turma – designação estereotipada comum a pessoas acima do peso – até receber um diagnóstico médico preocupante, que a leva a rever não só sua relação com a balança como com as escolhas que fez da vida.

Sem dinheiro, decide usar as ruas como sua academia e, assim, traça um objetivo: correr a Maratona de Nova York. A sua jornada a leva a encontrar apoio nos também corredores Seth (Micah Stock) e Catherine (Michaela Watkins) e, ao mesmo tempo, se afastar da sua melhor amiga, Gretchen (Alice Lee).

Elaborado a partir de uma premissa simples, “A Maratona de Brittany” surpreende pela carga emocional que confere à jornada de sua personagem. Felizmente, desvencilha-se da armadilha de uma construção narrativa simplista (e gordofóbica) onde a barriga negativa é o sinônimo da felicidade. No caso de Brittany, o excesso de peso é apenas um dos reflexos de uma vida desnorteada, paralisada pelo acúmulo de frustrações profissionais que a levaram a duvidar de si mesma.

É interessante que a percepção tóxica que ela tem de si é trabalhada no filme como uma extensão da maneira como é vista; ou seja, a personagem é julgada diante dos parâmetros sociais de completude (emprego, magreza, posses) e, por não se encaixar, é vista com desdém – processo que não só ela internaliza como repete com os outros personagens. Este aspecto é muito bem trabalhado na evolução do seu relacionamento com Catherine, sua vizinha “rica”, a quem inicialmente detesta para então, após relutantemente dar uma chance, descobrir ser muito mais complexa do que havia pensado.

Sem perder de vista o invólucro despretensioso, o filme escrito e dirigido por Paul Downs Colaizzo (e baseado na vida de sua amiga e antiga colega de quarto) apresenta novas pequenas camadas a todo momento, enriquecendo a discussão que propõe sobre aceitação e superação. Assim, a corrida em si apresenta-se muito mais como uma ferramenta do que como o objetivo final – ainda que nós espectadores invariavelmente acabemos torcendo pelo sucesso da protagonista.

Os percalços psicológicos do seu caminho são trabalhados em constante vai e vem demonstrando a dificuldade da quebra de padrões comportamentais. Esta abordagem, embora mais condizente com a realidade, por vezes torna-se bastante desconfortável e, ainda que sirva para reafirmar a argumentação do tema, fragiliza em mais de um momento o elo criado entre personagem e público.

A suavização da dramaticidade vem pela adição constante de clichês – sejam acasos felizes, envolvimentos românticos ou remediações quase instantâneas dos erros – que ajudam a tornar a experiência de acompanhar a jornada de Brittany mais palatável. Não obstante, o filme se beneficia imensamente da vulnerabilidade apresentada por Jillian Bell no papel, que consegue transitar bem entre as esferas dramática e cômica sem perder o ritmo.

Engraçado, sagaz e reflexivo, “A Maratona de Brittany” é uma ótima surpresa.

 

*Filme assistido como parte da cobertura da 43ª Mostra de Cinema Internacional de SP

Ficha Técnica

Ano: 2019

Duração: 104 min

Gênero: comédia, drama

Direção: Paul Downs Colaizzo

Elenco: Jillian Bell, Michaela Watkins, Lil Rel Howery, Micah Stok

Trailer:

Imagens:

Avaliação do Filme

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