Por Luciana Ramos
Mickey Pearson (Matthew McConaughey) é um americano que começou a vender maconha na faculdade e, com muito esforço, inteligência e uma dose de violência, se estabeleceu como principal fornecedor da Inglaterra. O seu grande diferencial, além da aparência “limpa” do negócio, é a impossibilidade de rastrearem precisamente os seus locais de produção, fruto de um acordo bem sucedido que ele firmou com nobres empobrecidos e ávidos em manterem o estilo de vida glamuroso.
Tendo superado suas expectativas, Pearson decide que é hora de se aposentar e promete toda a sua estrutura ao traficante Matthew (Jeremy Strong) em troca de 400 milhões de dólares. Porém, a pacífica negociação torna-se subitamente complicada quando ele sofre alguns pesados golpes: um dos seus depósitos é descoberto, trabalhadores são mortos, a mercadoria é roubada por um grupo de rappers/youtubers/amantes de xadrez/ladrões e, não obstante, ele se sente insultado com a persuasão de Dry Eye (Henry Goulding) em comprar o seu negócio milionário por um valor bem abaixo do mercado.
O caos não lhe parece aleatório, mas fruto de uma organizada coordenação de esforços para minar seu império. Por isso, ele coloca Raymond (Charlie Hunnam) em ação para investigar todas as pontas soltas e minimizar os prejuízos. São exatamente nestas circunstâncias que Fletcher (Hugh Grant) aparece subitamente na sua casa alegando ter uma história que muito lhe interessa para contar. Os maneirismos exagerados do jornalista apontam para a ambição por recompensa, mas Fletcher parece conhecer a trama melhor do que Ray ou seu próprio chefe. Por isso, ele assume o papel de um narrador pouco confiável, que não só costura pontos aparentemente divergentes como expõe a podridão e violência soterrada na cordialidade dos “homens de negócio”.
Estabelecido o plot e seu formato narrativo, Guy Ritchie brinca com as potencialidades da metalinguagem em “Magnatas do Crime”, transitando entre narração, exposição dos acontecimentos e camadas interpretativas que põem em risco a confiabilidade do narrador e, assim, tornam o desafio de tentar encaixar todas as peças do quebra-cabeças um exercício mais interessante.
Desgarrado das amarras dos grandes estúdios – em especial da pressão financeira – que o levaram à adequação da sua estética marcante em narrativas hollywoodianas engessadas, o diretor britânico transita com mais fluidez e eficiência em uma terra que domina. Há a reconhecida violência em uma trama predominantemente masculina – embora a personagem feminina, vivida por Michelle Dockery, seja complexa e uma ameaça por si só.
Há, também, a construção de um clímax pautado em pequenos plot twists que, somados, ajudam a elucidar os mistérios elencados. Neste sentido, é interessante a inserção da herdeira Laura Pressfield (Elliot Summer) em um contexto aparentemente desconexo aos demais acontecimentos, mas com profundo impacto na imagem dos negócios de Mickey.
Os tipos são bem marcados por figurinos ou trejeitos, com variações que vão desde os modos espalhafatosos de Fletcher à “gangue” do xadrez ou a brincadeira com estereótipos envolvendo a imagem socialmente aceita de criminosos: em uma cena, Ray é ridicularizado por um grupo de malandros adolescentes por verem nele, um homem de camisa social e pulôver, a figura de um “tiozão” inocente…até serem ameaçados com uma metralhadora.
Ainda que consiga inserir pequenos respiros ao longo do filme, Guy Ritchie, que também escreveu o roteiro, não consegue repetir o apelo cômico de obras anteriores. O personagem de Colin Farrell, com seu visual peculiar, é um dos casos de uma construção superficial que sucumbe a um papel infinitamente inferior que o esperado – embora a atuação de Farrell esteja excelente, como sempre.
Já as piadas em relação a nacionalidades, etnias e raças soam desnecessárias e repetitivas, sendo os mais atingidos os chineses, que parecem estar na trama para serem ridicularizados – a exemplo do personagem chamado Phuck. Em um determinado momento, o treinador (Colin Farrell) refere-se a um rapaz como “negro ladrão” e justifica seu comentário alegando se tratar de “duas verdades juntas”, diálogo de cunho racista que expõe típicos comportamentos conservadores: reafirmam-se preconceitos sociais a partir de pseudo justificativas ou usam-se um ou poucos exemplos como fontes de confirmação de uma visão enviesada e abjeta do mundo. Esta e outras escolhas erradas e desnecessárias concede um tom azedo à produção difícil de ser esquecido.
De modo geral, “Magnatas do Crime” revela um avanço em relação aos últimos filmes de Guy Ritchie, sendo capaz de engajar e entreter. No entanto, alguns deslizes e, em especial, a falta de tato nos diálogos, impedem o longa de ser tão relevante ou memorável quanto seus trabalhos iniciais.
Ficha Técnica
Ano: 2020
Duração: 113min
Gênero: ação, comédia, crime
Direção: Guy Ritchie
Elenco: Matthew McConaughey, Michelle Dockery, Charlie Hunnam, Henry Goulding, Jeremy Strong, Hugh Grant