Por Luciana Ramos

 

Se o Facebook mudou a forma como absorvemos notícias (ou factoides, nos casos de algumas pessoas) e nos relacionamos com o mundo, o Instagram responsabilizou-se por ditar uma cultura moldada em projeções irreais. Os estudos que apontam correlações entre doenças como depressão e o vício nas redes é facilmente observável quando se analisam as postagens mais populares desta mídia: são sempre semblantes bonitos, rostos retocados por filtros, viagens e comidas caras, corpos sarados e vidas irretocáveis. O fato destes posts invariavelmente representarem um “visual” fabricado ou a projeção de uma “marca” pessoal pouco importa para muitos que cultuam celebridades que vivem da autopromoção.

Isto explica a emoção profunda de uma mulher em conhecer Sylwia (Magdalena Kolesnik) na primeira sequência de “Suor”. As lágrimas, a voz rasgada, o ímpeto de tocar na musa fitness escancaram a relação de idolatria que desenvolveu com a influenciadora. Ela não sabia, no entanto, da tristeza que esta sentia no backstage – os longos suspiros pareciam sugar o mínimo de energia que restava em Sylwia para ela aparecer em público radiante, conforme esperado.

A influenciadora sente-se tão sozinha quanto a mulher que a abraçou, mas traveste a melancolia em uma série de vídeos sobre nutrição, exercícios ou banalidades, que representam tanto a sua avidez em estabelecer conexões com outros quanto o seu modelo de negócio, já que sua renda deriva de patrocínios. Por isso, é questionada quando expõe emoções; afinal, quanto mais fragilizada parece, pior para as marcas que desejam se colar na sua popularidade.

Seguindo as diferenças entre a imagem projetada e a realidade cotidiana da protagonista, o diretor Magnus Von Horn constrói uma narrativa que explora o funcionamento de uma cultura baseada em parâmetros inalcançáveis, capaz de frustrar tanto os produtores de conteúdo quanto seus consumidores….sem contar as possibilidades de deturpação da relação entre blogueiro e consumidor, como demonstrado no filme através da figura do stalker.

Em determinado ponto, porém, a trama desloca seu foco da crítica social para um aprofundamento dos dilemas emocionais da protagonista, movimento que, embora satisfatório (em especial na descrição da relação dela com sua mãe), é bem menos pungente.

Do mesmo modo, a escolha de Sylwia por um caminho mais honesto decepciona por não refletir a cultura das redes, onde mesmo os vídeos mais “despojados” e “sinceros” são ensaiados – vide a produção carregada, embora camuflada, do vídeo em que a influenciadora fitness brasileira Gabriela Pugliesi tenta se desculpar por menosprezar a vida e o Coronavírus. Assim, “Suor” toca o dedo na ferida, mas não tem coragem de explorá-la com a profundidade que o tema requer.

 

Esta crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de SP

Ficha Técnica

Ano: 2020

Duração: 104 min

Gênero: drama

Direção: Magnus Von Horn

Elenco: Magdalena Kolesnik, Julian Swiezewski, Aleksandra Konieczna

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