Por Luciana Ramos

Em “Um Lugar Silencioso”, John Krasinski compõe um suspense de tirar o fôlego através de uma narrativa em fluxo contínuo que acompanha uma família em busca pela sobrevivência. A terra devastada é fruto da chegada de monstros alienígenas com ouvidos super apurados que caçam humanos através dos barulhos. O silêncio sedimenta-se nesse cenário como linguagem primordial, sendo muito bem explorado em uma narrativa corajosa que o abraça, optando por reforçar pontos importantes da trama através de mensagens escritas.

A sua sequência parte exatamente do término da primeira, apresentando novos elementos complicadores para a jornada de Evelyn (Emily Blunt), Regan (Millicent Simmonds) e Marcus (Noah Jupe): tanto a casa quanto o celeiro da fazenda onde vivem está destruída; há bichos mortos por todos os lados e, não obstante, um recém-nascido que certamente desafiará a necessária quietude.

Assim, eles decidem rumar ao norte e chegam em uma fábrica abandonada, onde são salvos por Emmett (Cillian Murphy), antigo amigo de Lee (John Krasinski). Consumido pelo trauma da sua própria experiência, ele só aceita acolhê-los após muita persuasão emocional de Evelyn, mas alerta a ela e seus filhos que o mundo se tornou bem diferente do que eles imaginavam em isolamento. Na jornada vindoura que compartilhará com Regan, Emmett constatará dois lados bem diferentes da condição humana: um de elos sociais intactos e solidariedade e outro, violento, tribal e animalesco.

Eis aqui a primeira diferença entre o primeiro filme e sua continuação: a expansão da história. O roteiro decide fragmentar a ação narrativa em três focos, de modo a explorar melhor os conceitos e ramificações do universo criado. Utilizando um artifício comum a filmes de ordem pós-apocalíptica (especialmente os de zumbis), os personagens são colocados em uma espécie de bunker para, então, serem desafiados a sair em busca de alguma recompensa que se prove essencial à sobrevivência futura do grupo. Ao passo que Evelyn necessita pegar medicamentos e novos galões de oxigênio, deixando Marcus responsável pelo irmão mais novo, Regan foge rumo a uma ilha onde acreditar haver uma esperança de matar os monstros, sendo seguida e protegida por Emmett.

A adolescente torna-se, portanto, o principal foco da narrativa, que explora muito bem a interligação entre sua condição física e a sensibilidade auditiva dos monstros. Tratada no longa anterior com excessivo cuidado pelo pai – já que é incapaz de ouvir o predador se aproximar – Regan ganha protagonismo ao perceber que sua suposta deficiência é, nesta configuração, uma vantagem estratégica. O roteiro esforça-se para significar sua jornada a partir dos pilares estabelecidos previamente, explorando os traços em comum entre a menina e seu pai.

Krasinski revela, mais uma vez, extrema habilidade em tecer uma atmosfera de suspense que se mantém em elevação durante toda a projeção, sendo palatável o suficiente para os não-fãs do gênero, mas ainda capaz de provocar inúmeros sustos. Uma das melhores sequências é o único flashback do filme, que apresenta a chegada dos monstros e consequente instalação do caos. Eletrizante e realista, ela descreve a inabilidade das pessoas em agirem de sobressalto (principalmente por não conseguirem compreender a realidade) através de planos-sequências que concedem fluidez à ação dramática.

Tal recurso, muito presente na obra anterior, torna-se mais diluído em “Um Lugar Silencioso – Parte II” em decorrência da fragmentação narrativa. A fim de dirimir possíveis quebras de ritmo, Krasinski investe em ótimas transições que reforçam a sensação de continuidade. Nota-se, também, menos disposição em usar o silêncio como elemento principal. Em um universo onde este seria imperativo, é estranho que as personagens falem tanto (inclusive gritem) e, embora contribua para aumentar a sensação de perigo, tal escolha mostra-se pouco refinada, aquém do trabalho anterior.

Pode-se dizer, portanto, que “Um Lugar Silencioso – Parte II” troca o experimentalismo independente por maior convencionalismo, assemelhando-se em narrativa e estética a produções maiores de mesmo tema. Pretere-se, nesse caminho, a personagem de Emily Blunt, mais fragilizada e passiva diante dos riscos impostos. Em contraponto, a concessão de protagonismo à Regan é, sem dúvidas, o ponto alto da produção. Forte, determinada e um tanto cabeça dura, a personagem é explorada com primazia por Millicent Simmonds, que prova saber carregar o peso do filme em suas costas – muito auxiliada pelo carisma e talento de Cillian Murphy, sempre ótimo.

 Após o sucesso do primeiro filme, “Um Lugar Silencioso” tornou-se uma franquia cara à Paramount, que enfrentava dificuldades financeiras na época de seu lançamento (incluindo especulações de possível venda). Os constantes adiamentos da parte dois por causa da pandemia refletem o cuidado do estúdio com o material e apontam para uma maior exploração comercial da ideia – já foi confirmado, por exemplo, um terceiro filme, que não deve ser dirigido por Krasinski. Enquanto entusiastas do cinema, esperamos que as vindouras sequências mantenham o nível de “Um Lugar Silencioso – Parte II”, capaz de entregar uma experiência satisfatória em meio a sobressaltos e algumas investidas emocionais recompensadoras.

Ficha Técnica

Ano: 2021

Duração: 97 min

Gênero: drama, terror, ficção científica

Direção: John Krasinski

Elenco: Emily Blunt, Millicent Simmonds, Noah Jupe, John Krasinski, Cillian Murphy, Djimon Hounsou

Avaliação do Filme

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