Por Luciana Ramos

 

Um dos conceitos mais assustadores que permeia a mente humana é o de envelhecimento, pois aponta para a indesejada perenidade da vida. Munidos com instinto de sobrevivência, tentamos nos adequar às mudanças físicas e mentais que desafiam a nossa primazia enquanto espécie, lutando para extrair o melhor do tempo que nos resta.

Assim, a ideia da aceleração abrupta do processo é tão cruel quanto avassaladora, pois estabelece uma corrida contra as limitações fisiológicas que o tempo impõe. É exatamente esta a premissa da HQ “Sandcastle”, de Pierre Oscar Lévy e Frederik Peters, transposta para o cinema por M. Knight Shyamalan.

A anomalia é propagada por um cenário idílico – uma bela praia deserta que, por razões misteriosas, aprisiona seus visitantes até a morte – e, para explorar o conceito, Shyamalan (que também escreve o roteiro) dispõe da ignorância de seus personagens, que são conduzidos ao local com a promessa de exclusividade. A alegria em desfrutar da natureza em seu estado cru é transformada em terror quando o corpo de uma mulher aparece flutuando na beira do mar.

Guy (Gael Garcia Bernal) tenta coordenar os esforços para tentar entender o que pode ter acontecido, enquanto sua esposa Prisca (Vicky Krieps) afasta seus filhos Trent (Nolan River) e Maddox (Alexa Swinton), além da pequena Kara (Mikaya Fiseher), da cena. A menina está acompanhada da avó (Kathleen Chalfant), mãe (Abbey Lee) e pai (Rufus Sewell), um médico apontado pelo grupo para coletar possíveis evidências. Este se mostra instável, transitando abruptamente entre colocações racionais e acusações disparatadas endereçadas a um rapaz (Aaron Pierre) acuado ao fundo. O fato deste ser um homem negro aponta para uma conotação racista, mas o longa não dispõe o tempo necessário para discussões aprofundadas, preferindo a sucessão de acontecimentos vagos e estranhos como ferramenta narrativa. Completam a roda o enfermeiro Jarin (Ken Leung) e sua esposa Patricia (Nikki Amuka-Bird), que assume o papel de mediadora do grupo.

As especulações são interrompidas por outros incidentes bizarros que se sucedem: pessoas desmaiam quando tentam deixar o lugar, um tumor cresce exponencialmente na barriga de Prisca e as incisões feitas para retirá-lo fecham quase instantaneamente. Ainda mais assustador é a mudança corporal das crianças, que adquirem feições adolescentes e não conseguem processar o que está acontecendo.

Submetidos a uma onda abrupta de envelhecimento, o grupo decide explorar os recursos que dispõem para descobrir um jeito de deixar a praia e, assim, salvar suas vidas. A premissa é explorada como em um slasher movie, em que cada decisão acarreta uma consequência; em geral, uma morte.

“Tempo” prende-se à criação de tensão a partir de sustos sobrepostos, que não oferecem espaço ao espectador (tampouco aos personagens) para absorver o que foi apresentado. Sem investir em maior profundidade reflexiva, se contém ao horror situacional, potencializado pelo flerte com o gore. O desenrolar acelerado da narrativa encontra na exploração da quietude e imobilidade da locação um bom contraponto e dá vazão a excelentes composições visuais – das panorâmicas aos enquadramentos compostos com algum elemento de terror como primeiro plano, acentuando a prisão dos personagens no local.

Shyamalan sabe condensar truques estéticos para construir a tensão, mas escorrega na construção de diálogos, excessivamente expositivos. A necessidade de manter tudo à superfície, sem possibilidade de subtextos, torna algumas interações vitais esquemáticas e artificiais, denunciando a superficialidade da abordagem do tema. Esta é inescrupulosamente exposta no clímax, quando o diretor investe em um plot twist que, ao contrário do passado, prejudica mais do que ajuda.

Ao oferecer uma fundamentação racional para o ocorrido, ele tira um pouco da força contida na estranheza dos eventos e, ademais, oferece mais uma porta narrativa que não dá em lugar nenhum, já que prenuncia um interessante comentário social e não o explora. Ao invés disso, aposta em uma chave clichê para encerramento da sua obra, relegando-a inexoravelmente ao patamar do consumo rápido e facilmente esquecível – muito aquém do potencial de sua premissa.

Ficha Técnica

Ano: 2021

Duração: 108 min

Gênero: suspense, mistério, 

drama

Direção: M. Knight Shyamalan

Elenco: Gael Garcia Bernal, Thomasin McKenzie, Viky Krieps, Abbey Lee, Rufus Sewell, Eliza Scanlen, Ken Jeung, Aaron Pierre, Embeth Davidz

Avaliação do Filme

Veja Também:

As Polacas

Por Luciana Ramos Se tem uma coisa que 2024 mostrou aos brasileiros é que o cinema é uma matéria pulsante...

LEIA MAIS

Estômago II - O Poderoso Chef

Por Luciana Ramos   Alguns ingredientes foram determinantes para o sucesso de “Estômago” (2008), um filme de baixo orçamento que...

LEIA MAIS

O Dublê

Por Luciana Ramos   Colt Seavers (Ryan Gosling) é um dublê experiente, que se arrisca nas mais diversas manobras –...

LEIA MAIS