Por Luciana Ramos
Ao longo de mais de seis décadas, Clint Eastwood construiu uma sólida e impressionante carreira, primeiro como ator e depois como diretor, um pivô que muitos contemporâneos sonhavam, mas poucos conseguiram com tanto êxito. Sua persona, porém, permanece muito calcificada na imagem do cowboy dos westerns spaghettis: um homem corajoso, firme, impiedoso, de olhar penetrante.
É na contraposição entre a sisudez desgarrada da sua juventude e o retrato gentil de seu personagem em “Cry Macho: O Caminho da Redenção” que floresce a essência do seu mais recente trabalho: uma retomada à figura do cowboy para desconstrui-la através da substituição das armas e sequências alucinantes pelo entendimento, o diálogo e a empatia.
Clint interpreta Michael Milo, um ex-domador de cavalos e campeão de rodeios que viu sua vida desandar após perder a carreira devido a uma lesão e a família em um acidente de carros. Entregue à bebida, ele conta com a leniência do chefe Howard Polk (Dwight Yoakam) para se manter financeiramente – até este perder a paciência e demiti-lo. Um ano depois, Howard procura Mike com um pedido: precisa que alguém vá buscar seu filho na Cidade do México, onde vive com a mãe, e o traga até o Texas. Segundo Howard, mesmo arredio, o adolescente Rafael (Eduardo Minett) se convencerá a embarcar com o senhor pois enaltece cowboys desde pequeno. Após uma conversa atravancada, é exatamente o que acontece e os dois, juntos ao galo Macho, seguem em uma road trip rumo à fronteira americana.
Neste ponto, a trama aponta para algumas ameaças concretas que possam interromper a jornada, em especial no envolvimento de Leta (Fernanda Urrejola), mãe do garoto, com o crime. Porém, conforme fica claro, o filme usa tais artifícios apenas em caráter superficial, como pequenos desvios que alongam a história sem, necessariamente, oferecerem novas camadas interpretativas.
O roteiro baseia-se no livro de N. Richard Nash e foi escrito por este em parceria com Nick Schenck, frequente colaborador de Clint. Absorto em conversas que estreitam a relação entre o jovem e o idoso, a narrativa pauta-se na exposição das feridas de cada um como ponte. Ao oferecer um olhar generoso e compreensivo, Eastwood se afasta da persona fílmica que o lançou e rejeita a expressão “macho”, tão arraigada ao gênero western. Em diálogo, faz questão de expor as limitações inerentes aos cowboys e, ademais, posiciona a coragem típica a estes como uma fachada que tem como objetivo agradar a multidão e, ao mesmo tempo, esconder possíveis vazios emocionais.
Neste jogo de significados e relacionamentos, é importante ressaltar o diálogo direto entre “Cry Macho: O Caminho Para Redenção” e outras obras anteriores do diretor, como “Menina de Ouro”, “Gran Torino” e “A Mula” – todas pautadas na figura “cansada de tudo” que redescobre algo da vida ao interagir com alguém mais jovem.
Ainda que estabeleça conexões interessantes e, por isso, construa certa relevância, o longa é infinitamente aquém de trabalhos anteriores do diretor, mantendo-se simplista e, por vezes, caricato (caso da composição da personagem Leta). Entre incoerências gritantes, como a própria escolha de Mike a uma tarefa tão supostamente perigosa, a opção deliberada por caminhos previsíveis, “Cry Macho: O Caminho Para Redenção” não oferece muito em termos de narrativa. Sobrevive, portanto, pelo carisma absoluto de um Clint mais fragilizado – e a alusão à sua própria jornada como ator e diretor.
Ficha Técnica
Ano: 2021
Duração: 104 min
Gênero: western, drama
Direção: Clint Eastwood
Elenco: Clint Eastwood, Eduardo Minett, Natalia Traven, Dwight Yoakam, Fernanda Urrejola