Por Luciana Ramos

 

Ao ver o corpo e mente em ininterruptas transformações, cada jovem filtra a experiência da adolescência a partir de uma ótica singular, individual, por vezes coberta de insegurança, vergonha ou medo. Essa turbulência, que inevitavelmente provoca um salto de aprendizado, nem sempre é bem captada pela sétima arte, em especial no concernente às personagens femininas.

Sem abandonar a simplicidade narrativa, “Red: Crescer é uma Fera” destoa do molde ao abordar a menstruação de uma maneira lúdica e divertida, a partir da jornada da jovem Mei Lee. A garota de treze anos é feliz consigo mesma, conciliando a excelência acadêmica com amizades leais e a fixação pelos cinco garotos que compõem a banda “4 Town” (trocadilho que brinca com uma commodity musical bem comum nos anos 90 e 2000). Sua única preocupação é conciliar tudo isso com os afazeres familiares, que envolvem o trabalho no templo onde mora, e as expectativas da sua mãe. Esta mostra-se extremamente rigorosa e, embora bem-intencionada, costuma envergonhar Mei na frente dos seus colegas.

Um dia, após sentir vergonha extrema, a garota subitamente se transforma em um imenso panda vermelho e então descobre ser parte de uma tradição bem curiosa: para se proteger, uma ancestral sua estabeleceu uma conexão mística com animais dessa espécie e, desde então, cada mulher da família é obrigada a se transformar em um panda em determinado momento da adolescência para um mês depois decidir afugenta-lo do seu corpo…ou não.

A indicação para ela é clara: Mei deve se manter calma e serena, pois qualquer emoção súbita serve de gatilho para a transformação. A cada vez, o animal liberta-se mais, tornando-se potencialmente feroz e incontrolável. Assim, o ritual para se desfazer dele torna-se cada vez mais difícil. A garota até que tenta se controlar, mas os segredos não costumam ficar muito tempo velados no seu colégio e, em pouco tempo, todos já sabem sobre o ocorrido.

Apesar das dificuldades em controlar seu físico, Mei Lee parece mais abalada no plano emocional, mas por outro motivo, o show do 4 Town na cidade onde mora. Seria uma oportunidade única de vê-los, mas, além de enfrentar sua mãe, ela precisaria de nada menos que oitocentos dólares para comprar quatro ingressos – o seu e de suas três melhores amigas, Abby, Miriam e Priya. O evento a leva a ignorar qualquer senso de proteção ou responsabilidade e decidir comercializar a imagem do panda vermelho. Da ideia, nascem chaveiros, cobranças por fotos ou mesmo presença nos aniversários dos colegas. Obviamente, suas escolhas derivam em inúmeros conflitos geracionais que forçam a protagonista a olhar para si com mais cuidado, entendendo o seu processo transformativo, para então estabelecer um diálogo verdadeiro com sua mãe.

Voltado para um público um pouco mais maduro que o comum da Pixar, o longa funciona bem tanto para aqueles que passam pelas mesmas vivências de Mei quanto para os millenials. Afinal, Domee Shi, roteirista e diretora do longa, escolheu contar a história a partir da sua própria experiência, estabelecendo a narrativa nos anos 2000 e, por consequência, enchendo-a com pequenos easter eggs ou referências da década, de boy band a tamagochi.

Navegando entre seus temas, o filme se mantém leve e divertido, oferecendo muletas narrativas típicas de animações, como sequências de música e dança (compostas e produzidas por Finneas, irmão e parceiro musical de Billie Eillish). Sem aprofundar-se demais nos conflitos, “Red: Crescer é uma Fera” inevitavelmente se coloca em um patamar inferior a outras produções da Pixar (conhecida por trabalhar diversas camadas emocionais em uma história), mas mostra-se inteligente e sutil o suficiente para agradar públicos de diferentes faixas etárias. Ao final, também consegue transmitir uma mensagem edificante de autoaceitação e, como reflexo, de harmonia familiar.

Ficha Técnica

Ano: 2022

Duração: 1h 40 min

Gênero: aventura, comédia

Direção: Domee Shi

Elenco: Rosalie Chiang, Sandra Oh, Ava Morse, Maitreyi Ramakrishnan, Heyin Park

Veja Também:

Rivais

Por Luciana Ramos Aos 31 anos, Art Donaldson (Mike Faist) está no topo: além de ter vencido campeonatos importantes, estampa...

LEIA MAIS

Guerra Civil

Por Luciana Ramos   No fascinante e incômodo “Guerra Civil”, Alex Garland compõe uma distopia bastante palpável, delineada nos extremos...

LEIA MAIS

A Paixão Segundo G.H.

Por Luciana Ramos   Publicado em 1964, “A Paixão Segundo G.H.” foi há muito considerado um livro inadaptável, dado o...

LEIA MAIS