Por Luciana Ramos
Copenhague, anos 20. Einar Wegener (Eddie Redmayne) é um aclamado pintor de paisagens. Sua esposa, Gerda (Alicia Vikander), pinta retratos e luta por firmar seu nome. Eles vivem pela arte e um pelo outro. Um dia, a modelo dela não aparece para posar e Gerda, tomada pelo desespero, pede ao marido para calçar as meias e os sapatos femininos afim de que ela não perca o seu prazo de entrega.
Ele o faz, mas o toque do tecido na sua pele desperta algo dentro dele. Vendo o deleite de Einar, sua esposa encoraja o que acredita ser uma brincadeira e lhe dá liberdade para experimentar seu robe, uma peruca e posteriormente levá-lo a uma festa travestido. Assim nasce Lili, a persona feminina do pintor.
Sempre pronunciada em terceira pessoa, Lili ganha força dentro dele, que inicia um processo de autodescoberta, posteriormente evoluído para a dissociação entre o seu corpo e sua mente: ele chega a conclusão de que sempre foi muito mais Lili do que Einar.
Gerda assiste a transformação em estado de completa confusão. Por um lado, seu perfil liberal e o amor incondicional pelo marido faz com que encoraje-o a ser e fazer o que deseja; por outro, a consciência do significado de tal escolha no seu casamento a abala. Há ainda mais um fator: Lili virou objeto de seus retratos e, com estes, ela finalmente começa a ganhar a atenção preterida. Como resultado, inconstâncias de atitude e humor a tomam conta.
Baseado no livro homônimo de David Herbeshoff que relata a história real de Lili Elbe, a abordagem do tema ganha a delicadeza merece. Primeiramente, há a escolha de dilatar o tempo narrativo. Esta proporciona uma lentidão nos acontecimentos principais que pode parecer cansativo para alguns mas mostra-se absolutamente necessária dado o conteúdo da trama: uma escolha dessa natureza não ocorre da noite para o dia e, portanto, não deveria ser retratada dessa maneira.
Ademais, o trabalho de fotografia e direção concedem uma conotação subjetiva ao filme bastante pertinente. “A Garota Dinamarquesa” é fotografado como uma sucessão de paisagens, tal qual aquelas que Einar era conhecido por pintar. São enquadramentos estáticos mas belamente posicionados por Danny Cohen. Em contraponto, o uso trêmulo da câmera na mão aparece em determinadas cenas para pontuar as sensações da garota dinamarquesa do título num trabalho sensorial belíssimo.
Com este filme, o diretor Tom Hopper retorna a exercitar a sua predileção por dramas históricos pontuados por uma dificuldade que parece inicialmente intransponível. A gagueira de “Discurso do Rei” é substituída pelos questionamentos do pintor, mas aqui a abordagem é mais audaciosa que a anterior.
Tal objetivo de certo não seria atingido não fosse as atuações de Eddie Redmayne e Alicia Vikander. O longa é pautado quase inteiramente na credibilidade e densidade dramática passada pelos seus atores.
Do olhar de encantamento com os tecidos ao caminhar e o misto de fragilidade e convicção, Redmayne prova as suas habilidades artísticas por conceder uma interpretação totalmente distinta dos seus trabalhos anteriores. Ademais, fica claro o quanto ele é respeitoso com o seu personagem na sua escolha por uma abordagem pouco estereotipada e mais humana.
Porém, quem rouba a cena mesmo é Vikander. Relativamente desconhecida até meados do ano passado, ela impressiona pela força que imprime em sua Gerda. Sua presença impactante na tela é realçada pela complexidade de emoções que consegue demonstrar pelo rosto.
Sua personagem é extremamente importante pois é pelo seu olhar, e não o dele, que enxergamos a trama. É a sua ação inicial que desemboca o conflito e, posteriormente, são as suas atitudes que avançam a trama nos momentos em que Einar se encontra paralisado. Merecidamente, colheu muitos prêmios pelo papel e é grande favorita ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante – embora ela tenha tanto protagonismo e espaço de tela quanto Redmayne no filme.
“A Garota Dinamarquesa” retrata eventos ocorridos há quase um século mas cuja relevância atual é tremenda. Em meio ao preconceito e desinformação, o tratamento social conferido à pessoas que desejam trocar de sexo ainda deixa muito a desejar. Delicado e bonito, merece ser visto não só pelo tema como também pelas excelentes atuações de Eddie Redmayne e Alicia Vikander.
Ficha técnica
Ano: 2015
Duração: 119 min
Nacionalidade: EUA, Grã-Bretanha, Bélgica, Dinamarca, Alemanha
Gênero: biografia, drama
Elenco: Eddie Redmayne, Alicia Vikander, Amber Heard, Ben Whishaw
Diretor: Tom Hooper
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