Por Luciana Ramos
Algumas vezes, o caráter de um fato é tão absurdo que se torna difícil acreditar que é realidade. Nesse contexto, a melhor opção torna-se abordar o assunto pelo espectro do humor, seja ele irônico ou debochado, para traçar uma crítica. Essa foi a abordagem adotada em “A Grande Aposta”, filme que retrata a crise imobiliária de 2008.
Desenvolvida sob a lógica do hiperconsumo como símbolo de status social, deu-se pelo estouro da bolha especulativa cercando as aplicações no mercado imobiliário. Em outras palavras, os bancos, valendo-se das brechas legislativas e fiscais, incentivavam os americanos comuns, com emprego fixo e renda média, a investirem tudo o que tinham em propriedade, com promessas de retornos altíssimos e vida de luxo. Muitos, diante do encantamento, hipotecaram as próprias casas e, quando o sistema de financiamento tornou-se insustentável, perderam tudo – inclusive o trabalho.
O longa de Adam McKay, adaptação do livro de Michael Lewis, explora o tema sob a ótica dos poucos que previram a crise e decidiram apostar contra os bancos para lucrar alto. O primeiro a notar os sintomas é Michael Burry (Christian Bale), dono da própria empresa de investimentos. Chamado de louco e excêntrico, é majoritariamente ignorado, mas o executivo Jared Vennett (Ryan Gosling) não é um deles.
Cínico, encara a previsão como oportunidade e oferece parceria a outro dono de banco de investimentos, Mark Baum (Steve Carell). Ao mesmo tempo, dois investidores de fundo de garagem, Charlie Geller (John Magaro) e Jamie Shipley (Finn Wittrock), descobrem por acaso as análises de Michael Burry e decidem apostar na ideia com a ajuda de Ben Rickert (Brad Pitt).
Transitando entre esses quatro núcleos, a trama se desenvolve em ritmo ascendente, pontuando as descobertas sobre a profundidade da crise iminente com a incredulidade dos próprios especialistas financeiros sob o fato.
Diante do conteúdo de alta complexidade, recheado de termos técnicos, poderia esperar-se um roteiro carregado de drama – visto o fato de que destruiu a vida de milhões de americanos – ou excessivamente cerebral, mas felizmente essa expectativa quebra-se por completo nas mãos de Adam McKay.
O longa vale-se do humor para amenizar tais características, incluindo passagens hilariantes de celebridades que tem como missão explicar ao espectador o mecanismo de funcionamento do mercado imobiliário.
Essas quebras da quarta parede, também usadas pelo personagem de Gosling, servem não só como alívio cômico mas também como poderoso instrumento de contestação do capitalismo selvagem e seu total descaso ao ser humano. A estas passagens somam-se imagens documentais e fotografias rápidas que acentuam o caráter crítico, estendendo-o ao american way of life.
Assim, configura-se uma trama inteligente e mordaz sobre um episódio obscuro da história americana de forte impacto mundial, dada a importância da sua economia. Pautado sob a lógica do absurdo, “A Grande Aposta” torna-se palatável ao espectador mas, nem por isso, menos contundente.
Desse modo, a direção de McKay, conhecido por comédias como “O Âncora”, foi fundamental para conceder o tom certo à história. Sob seu comando, o excelente elenco foi capaz de alternar nuances cômicas e dramáticas, explorando a dicotomia moral daqueles que se propuseram a ganhar dinheiro usando a miséria coletiva.
Da mesma forma, a eficiência narrativa do longa deve-se muito ao seu ritmo dinâmico e, portanto, envolvente. Este é fruto de uma edição precisa, caracterizada pela rapidez e uso de cortes secos.
Um filme originalmente de nicho que ganhou expressividade nos cinemas devido às suas indicações aos principais prêmios, “A Grande Aposta” debocha da sua complexidade com o didatismo necessário para o seu entendimento. Irônico e mordaz, tece uma crítica rebuscada ao mercado financeiro americano utilizando, para isso, players sagazes que conseguiram prever a maior crise econômica americana desde a quebra da Bolsa em 1929. Merece ser assistido por sua capacidade de entreter, provocar e, acima de tudo, nunca subestimar o seu espectador.
Ficha técnica 
Ano: 2015
Duração: 130 min
Nacionalidade: EUA
Gênero: biografia, drama, comédia
Elenco: Christian Bale, Steve Carell, Ryan Gosling, Brad Pitt
Diretor: Adam McKay
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